As fronteiras do coração
Foi assim...
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O sorriso tranquilo do porteiro cearense, conhecido por todos como Seu Zeca, escondia um passado repleto de desavenças que o fizeram renegar suas raízes. Era um homem de meia-idade, de estatura média, cabelos grisalhos e olhos vivos, sempre disposto a ajudar os moradores do condomínio onde trabalhava. Mas por trás de sua fachada pacífica, havia uma história de infância que ele preferia esquecer.
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Seu Zeca cresceu em uma pequena cidade no interior do Ceará. Era o filho mais novo de uma família de trabalhadores rurais, e desde cedo aprendeu a lidar com as agruras da vida no campo. No entanto, o que mais o marcou em sua infância não eram as longas jornadas de trabalho sob o sol escaldante nem as noites estreladas passadas ao redor do fogão a lenha, mas sim as desavenças e rivalidades que permeavam sua comunidade.
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Naquela pequena cidade, as pessoas pareciam viver em eterno conflito. Brigas por terras, disputas políticas e rivalidades familiares eram comuns. Viu amigos se tornarem inimigos, parentes se distanciarem e a paz se tornar algo quase inalcançável. Ele mesmo experimentou o gosto amargo da desavença em sua própria família, quando uma herança mal dividida separou irmãos e criou feridas que nunca se fecharam completamente.
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Quando completou a maioridade, decidiu que precisava de uma mudança em sua vida. Ele não queria mais fazer parte daquele ciclo interminável de conflitos e ressentimentos. Então, tomou uma decisão radical: deixou sua cidade natal para trás e partiu em busca de uma nova vida na cidade grande.
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O Rio de Janeiro o acolheu de braços abertos, e Seu Zeca encontrou trabalho como porteiro em um condomínio luxuoso na Zona Sul da cidade. Lá, ele conheceu pessoas de todas as partes do Brasil e do mundo, e a convivência pacífica e harmoniosa entre os moradores era um alívio para sua alma cansada das desavenças do passado.
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Mas havia uma coisa que ele não podia ignorar em sua nova vida na cidade grande: a paixão pelo futebol. No início, ele não dava muita importância ao esporte, mas logo se viu cecado por amigos e colegas de trabalho fanáticos por futebol. E, como era de se esperar, a rivalidade entre os times cariocas era tão intensa quanto as desavenças de sua cidade natal.
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Foi assim que Seu Zeca, sem pensar muito a respeito, se tornou torcedor do Flamengo. Ele não tinha um motivo específico para escolher aquele time, mas a paixão contagiante de seus amigos rubro-negros o conquistou. E, aos poucos, o futebol se tornou uma fonte de alegria e entretenimento em sua vida.
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Os anos passaram, e Seu Zeca nunca mais olhou para trás. Ele havia construído uma nova vida na cidade grande, longe das desavenças de sua infância. O Rio de Janeiro havia lhe proporcionado não apenas um emprego, mas também um novo lar e uma nova família de amigos que o apoiavam incondicionalmente.
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Quanto ao Ceará, ele preferia manter distância. Não se importava o quanto lhe cobravam por não ser um nordestino raiz, daquele que, apesar das dificuldades, ama seu povo e sonha em um dia retornar à sua terra natal. As lembranças das desavenças e rivalidades eram como cicatrizes em sua alma, e ele não queria arriscar reabrir feridas antigas. O Flamengo era seu time, o Rio de Janeiro era sua casa, e as desavenças do passado, por mais dolorosas que fossem, haviam se tornado apenas uma parte distante de sua história.
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MMXXIII