Esperança! Vê se pode...
No clássico Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, o escritor baiano colocou na boca do Sargento, um relato em primeira pessoa potente, com frases cortantes. Veja essa aqui, por exemplo: "Não gosto que o mundo mude, me dá uma agonia, fico sem saber o que fazer."
É nessa que, assim como o escritor, por vezes também me espanto quando vejo que muitos se afeiçoam pelo Sargento Getúlio. Dizia Ubaldo e eu tendo a concordar, que talvez seja pela determinação em que partiu para cumprir seu propósito, por mais absurdas que fossem as consequências perpetradas para atingi-lo.
Hoje se vê a rodo, como se diz por aí, gente que se encanta com quem tem propósito A ou B, embora que ainda que em boca de quem fale água, batom também mostre cor. A moda: influencers. Influenciadores.
Aí você escuta cada coisa a título de "gerar conteúdo". No fundo, a pessoa lhe diz tudo e nada. Tudo envolto em risos e felicidade e uma pergunta geralmente fica esquecida: tá... mas para quê eu preciso disso?
Não sei vocês, mas hoje, por exemplo, vi mais de uma dezena de moradores de rua. E ainda assim, diante da miséria, há quem romantize a fome. Tentam pregar um estoicismo compulsório ou coisa similar. Tipo de papinho abjeto que corto de primeira quando surge aqui e ali. Mas ainda assim, um resíduo dessa mensagem se espalha de múltiplas formas em crenças urbanas de bondade gratuita.
Kant hoje estaria até com arrepios até nos cabelos do ... quer saber, não vale a pena. Nem ele estaria crendo no que fosse ver. Hobbes talvez estivesse rindo, com tom filha-da-putamente-sarcástico de "eu avisei... avisei", ao que Rousseau responderia pedindo paciência, ou melhor: tenha esperança.
E é por aí que esperança costuma se converter em verbo. Esperar, esperar, esperar. Quem espera, espera algum acontecimento. Esquece-se que a causalidade da vida não tem roteiro pronto. Os mendigos que vi, também esperam. Comida, água, banho e um pouco de dignidade. Mas outros estão soltando romanticamente, lições de um empreendedorismo pessoal. Ó, vou lhe falar: é preciso muita esperança e esperar sentado para isso fazer sentido, viu.
E assim como o sargento Getúlio ficou afundado em seu mundinho, compromissado até o talo com seu utilitarismo e moral particular, há quem hoje fale e defenda qualquer coisa para ter seu propósito cumprido. Ainda que o propósito seja despropositadamente ficar milionário falando qualquer coisa sobre qualquer coisa.
Mudar as coisas realmente dá medo. Não se sabe onde a coisa vai parar, mas eu digo: assistir com tranquilidade a legião dos miseráveis não é motivo suficiente? Também sou medroso, eu confesso com a maior naturalidade. Mas ainda assim, eu não posso deixar de dizer o que vejo. Infelizmente sou um ex covarde. Nem que seja para ver os novos Sargentos Getúlio por aí, cativando pela obstinação.
Vai ver tem muita gente que não queira ou goste que o mundo mude; melhor é esperar na esperança. Não! Melhor é vender a esperança, isso!! Bingo, que rima com Business! Não acredita? Venha, se inscreva no meu curso de interpretação de frases para que perceba e ganhe com isso. Viu?
Esperança, assim espero e quem sabe, torne-se verbo um dia e saia do horizonte colorido dos substantivos. Por agora, ando sem tempo para esperar. Não me encanta o estático, muito menos as personagens por aí, e olha que nem estou falando de sargento Getúlio.
Inté...