ESCRITOR JOEL RUFINO DOS SANTOS
UM DILETO AMIGO
Nelson Marzullo Tangerini
Jorge Oliva é um grande amigo, e nossa amizade já se perde no tempo. Costumamos conversar sobre música, política, literatura, religião, direitos humanos, filosofia e história.
Natural de Resende, Estado do Rio de Janeiro, Jorge costumava vir à minha casa para tomar um café da tarde com bolo de milho, feito pela minha mãe, que também participava de nossas conversas. Moramos no mesmo bairro, em Piedade, e, volta e meia, trocamos ideias no caminho para o mercado ou para a padaria.
Amigo fiel, acompanhou meu sofrimento, quando minha mãe adoeceu, vítima de Mal de Alzheimer. E, após a morte de Dinah, foi o amigo quem meu deu força para suportar a dor desta separação, após 50 anos de convívio com ela, pondo jornais e recortes em minha caixa de coleta de cartas
Gosto muito do amigo, por ser um homem que raciocina, além de ser um cidadão equilibrado, centrado, reto, pacifista, amigo dos livros e grande democrata. Diria mais: um cristão libertário, desses que não se deixaram levar pelo fundamentalismo e pelo ódio disseminado pela extrema-direita.
Volta e meia o amigo deposita jornais ou recortes em minha caixa de coleta de cartas, hábito descrito há pouco, nesta crônica.
Ontem, 31.8.2023, o amigo deixou alguns jornais acompanhados de um texto de Chico Alencar, publicado numa folhinha católica (creio que das Edições Paulinas) e que merece ser aqui reproduzido:
“COM A HISTÓRIA NA MÃO E NA PELE
Em agosto de 2015, Joel Rufino dos Santos, historiador negro, evitou o linchamento de um ladrão, em Copacabana, Rio.
Já no chão, ensanguentado, o rapaz continuava sendo chutado.
Joel, com coragem, afirmou que não era assim que se ‘fazia justiça’.
Salvou a vida dele.
Dias depois, Joel nos deixava, vitimado pelo câncer, aos 74 anos.
Joel foi pioneiro da ‘História Nova do Brasil’, lançada em 1963. Uma grande história não baseada em ‘grandes heróis’ virtuosos, mas construída, no anonimato, por pessoas simples.
Joel também escreveu histórias infantis, ganhou dois Prêmios Jabutis e presidiu a Fundação Palmares.
Por trazer ideias novas, Joel foi preso e exilado. Um grande brasileiro!”
Conheci Joel, quando frequentava o Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro, na época, presidida por outro escritor, o amigo José Louzeiro. Li seus livros, mas não conhecia essa bela história, registrada pelo Prof. Chico Alencar, autor de “Cântico das crianças: ecologia e juventude do mundo, Editora Vozes.
De certa forma, era de se esperar que Joel assim reagisse, diante de tal brutalidade, uma vez que o escritor, grande ser humano, sempre se posicionou a favor dos direitos humanos, além de mostrar-se um cidadão equilibrado, elegante e calmo, em questões embaraçosas.
Enfim, lembranças de um Brasil generoso, ainda não contaminado pelo ódio difundido pela extrema-direita e por cristãos fundamentalistas.
Filho de pernambucanos, o escritor Joel Rufino dos Santos, Doutor e Comunicação pela UFRJ, é um dos nomes de referência sobre o estudo da cultura africana. Nasceu em Cascadura, perto de Piedade, subúrbio do Rio de Janeiro, em 1941.
No futebol, Joel era torcedor do Botafogo e, no samba, torcia para a Estação Primeira de Mangueira.
Depois de lutar contra o câncer, Joel morreu, no Rio de Janeiro, RJ, no dia 4 de setembro de 2015, deixando um vasta obra literária – e um vasto currículo -, que não caberiam nesta modesta crônica do escritor que ora vos escreve.
Foi, portanto, oportuna a lembrança de meu amigo Jorge Oliva, trazendo-me um breve texto sobre Joel. O morador de Piedade é um leitor atento e voraz do conhecimento, o que, por si só, merece este registro que ora faço.