Limites à liberdade de expressão.
"Só haverá harmonia no Brasil, se se impôr limites à liberdade de expressão." "Só haverá harmonia, se não houver limites." "Liberdade, sim; libertinagem, não." "E onde termina a liberdade, e começa a libertinagem?! Quem tem autoridade para determinar os limites à liberdade de expressão?" "Pessoas preparadas para exercer tal papel." "E quem tem autoridade para decidir quem tem o preparo para exercê-lo?" "Ora, você sabe que muita gente, abusando da liberdade, ofende, e difama, e calunia..." "Sim. Sei. Mas quem é ofendido, difamado, caluniado, só sabe que o é se alguém o ofende, o difama, o calunia." "Então, deve o governo impôr limites." "Por que o governo?! Que autoridade tem o governo para dizer o que pode e o que não pode ser dito?! Limites à liberdade de expressão, parece-me, é uma armadilha para pegar apenas quem diz o que não é do agrado do governo, e nada mais." "Toda pessoa terá, respeitando-se a decência, a pessoa humana, a liberdade de expressão limitada a ponto de impedir que se manifeste o que não é de bom alvitre e que seja prejudicial à harmonia social. Ao insinuar que política que limita a liberdade de expressão irá inibir apenas um grupo de pessoas, você se esquece que tal política atingirá a todos." "Não atingirá, não. E explico os meus pensamentos, desenhando: Em uma cidade, a prefeitura não impõe limites à velocidade de motos e carros; João e José têm carros e motos; o carro de João, envenenado, vai de zero a cem em dez segundos, e o de José, uma caranga, não chega aos sessenta; a moto de João, possante, de mil cilindradas, voa à trezentos por hora, e a motoca de José, a pipocar, a tossir, esfalfa-se ao apontar cinquenta por hora; e todo dia e toda noite, João sobrevoa a cidade com os seus carro e moto, e José engatinha com o seu calhambeque manquitola e a sua moto franzina; e um dia, a prefeitura impõe limites à velocidade de carros e motos: sessenta quilômetros por hora." "Impõs limites a João e a José." "Não. Não. E não. Na na ni na não. Impôs limites a João, e a ele unicamente, e a José não. Atente: João, dono de carro e de moto que vão do ponto A ao ponto B a quinhentos por hora, tem a sua liberdade de deslocar-se com velocidades acima de sessenta; José não, pois a sua lata-velha e a sua motoca em petição de miséria não atingem sessenta. A prefeitura impôs limites apenas a João. Entendeu?! Ao impôr limites à liberdade de expressão está o governo apenas a limitar a das pessoas de espírito livre, corajosas, insubmissas, mais conscientes de sua condição, pessoas que não se curvam aos mandões de plantão, e não a das acomodadas, das pusilânimes, das que dizem amém a tudo o que o governo diz." "Certo. Entendi." "E outra coisa: muita gente, gente de espírito-de-porco, gente de mentalidade autoritária, gente intransigente, quer impôr as suas idéias a todos, mas sem aborrecimentos; para tanto, busca no governo o poder de exercer o que ela quer: falar, e falar, e falar, sem que lhe levantem objeções. Sem aborrecimentos. E calando quem pensa diferente, estufa o peito e declara que suas idéias prevalecem porque superiores. A verdade verdadeira é a seguinte: tal gente não tem apreço pela liberdade; se o tivesse a admitiria sem restrições e palestraria, livremente, disposta a ouvir, e sem os inibir, os interlocutores, aqueles que lhe apresentam divergências; e aceitaria que as idéias corretas prevaleçam; mas, convenhamos: muita gente sabe que suas idéias são disparates, asneirices das grossas, e mesmo assim quer impô-las ao mundo." "Verdade. Verdade. Mas há de reconhecer que idéias prejudiciais à sociedade devem ser proibidas." "E quais idéias são prejudiciais à sociedade? Quem sabe quais são as que prejudicam a sociedade? Quem sabe quais são elas, que as apresente, publicamente, e sustente seu ponto-de-vista num confronto livre com quem diverge, e faça com que suas idéias, se corretas, prevaleçam, em vez de querer proibir que alguém as conteste." "Verdade. Verdade. Pensando bem... Você diz algo certo..." "Claro que o que digo é certo. O caminho da liberdade é o melhor. Cada pessoa defende as suas idéias, e que o faça ouvindo objeções, e não diante da ausência delas. Calando quem pensa diferente, fica fácil, né?! 'A minha idéia é melhor.', diz o carinha que conversa com as paredes."