Solilóquio
Andando pela rua, alheia a tudo, quis ardentemente que a brasa do cigarro se tornasse em chamas, me lambendo e que essas labaredas consumissem aquele corpo que achei que era meu, mas a cada dia vou descobrindo que não me tenho mais, desde que entreguei meu coração num tempo que nem me lembro quando. Sentei na calçada afastando mentalmente os pensamentos, chorando mais que a chuva que apagara o cigarro...
...pensei que podia me afastar de mim mesma, já que não reconhecia nem minhas atitudes, mas acho que tive medo de entrar em mim e nunca mais me reencontrar. Mais uma vez sentada no chão, me deixei escorrer pelos cantos, sentindo que um rio de tragédias se misturava ao meu sangue deixando a minha alma arrepiada pela certeza de que desde o início eu soubera de tudo e mesmo assim, não tivera medo e me lancei, porque gosto das coisas inexplicáveis, que pra você são só ar e sangue…
Sinto que estou a cada dia mais vazia de mim. Vivo a rabiscar frases, traçar desenhos tortos, com a cara escorrendo e o copo de vinho vazio, sentindo uma solidão tão dolorosa. Quem sabe se algum dia haveriam desenhos de meu passado subindo na fumaça d'um cigarro aceso...
Acho que meu maior (de)feito é ver poesia em tudo, até mesmo no sangue e na lágrima. Até nessa dor que me atravessa a garganta, sem atravessar minhas noites e dias. Tenho um certo medo de um dia não existir nenhum rastro de mim.
Ando lendo desenfreadamente, marcando e grifando, deixando minhas impressões nos livros. E também imagino alguém lendo um livro que li e pensando no quanto sofri nesse dia, nessa vida. E se pensar por que sofri, é porque sofre também. Às vezes eu mesma sofro assim ao ler alguns livros e fico sem ar, paro de ler e penso em quem escreveu...
...olhando pro nada, continuo meu solilóquio inútil, me sentindo a pessoa mais complicada do mundo. Às vezes me sinto tão complexa, quanto se tivesse fases e todas elas fossem trágicas.
Acredito cada dia mais que constatar verdades é uma mentira na qual nos esforçamos em acreditar, porque afinal de contas o que é a verdade? Em que mundo deserto eu caminho, tão árido, só tendo o oásis de uma auto-estima intermitente? Disseram que eu sou um anacoluto ambulante, mas prefiro achar que eu sou aforismo. Não é que deixe as frases quebradas. É que elas são o suficiente pra redundar se houver delongas...
Onírica ou louca? Ando ouvindo o som da minha própria voz. Quando não me ouço, parafusos imaginários saltam de mim. Minha mente vã me faz pensar que me despedaço e o pior que tenho a impressão de que ouço o barulho de mim mesma caindo de mim, enquanto meu coração dispara, querendo encontrar alguém pra passar a noite ouvindo música, fraseando na madrugada, enquanto choramos mágoas tomando vinho barato, pra dor de cabeça do dia seguinte dispersar as lembranças.
Levanto e sigo pensando bobagens: se alguém escrever uma poesia pra mim num papel velho e me entregar, eu me caso, mas só se a poesia for boa. Odeio rima pobre! ...a não ser que seja um soneto...
E então, sozinha em um quarto que não é meu, numa cama onde amores furtivos passaram em braços que nunca estarei, olho pela janela e vejo outro prédio. Alguém vê televisão. Resta apenas o frio no fundo do meu coração. Disputo com as formigas o último pedaço de chocolate amargo, meu preferido e você nunca soube, agora vou mudar de sabor, pois quando provei lembrei do último beijo que você me deu.
Fecho a janela e penso com o coração ainda disparado: todos têm a segunda chance por direito... Inclusive eu…