O "traidor"
Uma questão delicada a ser abordada. “O Traidor”, denominação dada ao homem ou à mulher que, encontrando-se em um relacionamento monogâmico, mantém um - ou dois – relacionamentos extraconjugais, questão que em diversos conceitos é descrito sempre do lado da terceira pessoa, da imoralidade, da subversão dos conceitos éticos e morais da sociedade.
Poucas pessoas se interessaram em retratar a visão da traição em si, da eventual razão de sua existência e as consequências que podem surgir desse ato.
Será por que o amante é tratado como indigno? Será por que a vítima ou o terceiro envolvido merece mais respeito que seu algoz (se é que existe)?
Muitas pessoas não vão concordar com o que vão ler nesta digressão, outras poderão até se identificar. Cada um carrega o peso de suas escolhas e sentimentos.
Enfim...
Minha posição em relação a essa situação sempre foi muito clara e objetiva: quem deve respeito ao seu relacionamento é a pessoa comprometida e não “o amante”, sendo esse uma pessoa solteira, por sua vez está em posição de aceitar ou não a investida de quem quer que seja, sem culpa ou preconceitos, não é ele o traidor.
Traição que nesse caso é determinada não pelos conceitos sociais, mas sim pela traição do que fora acordado entre as partes envolvidas no relacionamento, se neste foi, mesmo que subentendido, acordado a monogamia ou fidelidade - até porque se o relacionamento extraconjugal for aceito entre os envolvidos, não é traição.
Voltando...
Muitas razões levam as pessoas a trair, nem saberia descrever todas elas, mas posso me atrever a fazê-lo sobre algumas:
Desejo sexual latente - a pessoa simplesmente não consegue manter-se leal ao compromisso firmado.
É de si ser infiel, mesmo que possua em casa um parceiro sexual atuante, estar confinado a ter relações com uma única pessoa é simplesmente impossível, assim, busca-se sempre uma renovação, sem apego emocional, sexo pelo sexo, guarda-se o sentimento ao seu parceiro formal.
Neste caso o amante é apenas um objeto, seja de conquista, seja do simples sexo casual.
Há duas vertentes: aquela em que o traidor é sincero e direto, dando margem ao amante decidir se quer enfrentar ou não aquela situação, com consciência de que não há qualquer chance de evolução.
Nessa vertente, sendo o desejo do amante o mesmo do traidor está tudo certo, ambos se satisfazendo no que foi acordado, sexo é sempre bom e quanto mais melhor.
A outra vertente é o traidor mentir, iludir, fazer com que o amante acredite que em algum momento, ele ou ela será o titular de sua vida, que seu casamento está falido, que não se dá bem com a pessoa, que não vê a hora de se separar - frases típicas de quem não quer efetivamente se desvincular daquele relacionamento, mas cujo único objetivo é convencer o amante a permanecer ali a espera de uma solução para aquele imbróglio sem fim.
Há casos em que ocorre a separação e o amante vira titular, titular de outro relacionamento em que o traidor continuará fazendo exatamente a mesma coisa com outras pessoas.
Envolvimento financeiro - sem entrar no mérito de certo ou errado, algumas pessoas se envolvem em um relacionamento buscando estabilidade financeira, conforto ou até mesmo status social.
Dessa forma, esse relacionamento, para a pessoa envolvida, nada mais é que um meio para um fim. Assim, envolvimentos extraconjugais são mais comuns, até porque ou não se tem laço afetivo e sentimental com a outra pessoa envolvida naquele relacionamento - ou se torna uma forma de satisfazer um lado que o dinheiro em si não paga ou até paga e paga-se bem, por vezes.
Neste, o amante normalmente é pago, não causa danos, pelo menos não na cabeça do traidor e do próprio amante. É uma simples transação comercial, o que por si só se justifica.
Quando não ocorre a transação comercial e o amante é envolvido no relacionamento, por vezes as mesmas causas e efeitos do desejo sexual latente ocorrem.
Usa-se o amante como um objeto de desejo, uma forma de suprir a falta de outras coisas que não o dinheiro, quando o amante tem consciência de sua posição, ótimo, ambos satisfeitos e dispostos a usar o dinheiro envolvido, quando inconsciente da realidade que vive, viverá na crença de que algo vai mudar.
Para esse romper de ciclo, apenas um amor verdadeiro, se existir, ou um amante com mais dinheiro que o antigo titular.
Encaixe no contexto social - envolve-se em um relacionamento que não é exatamente o que busca internamente, mas por questões sociais ou religiosas precisa-se estar inserido num meio.
Assim, busca-se fora do relacionamento algo que o complete, pode ser um relacionamento com o mesmo sexo, subversivo, sadomasoquista ou simplesmente relacionamentos que fujam às normas sociais e deem o conforto necessário para se satisfazer como pessoa, enfim, a busca nesse caso é pela complementação, pelo preenchimento de um vazio interior.
Em alguns casos, amante e traidor encontram-se na mesma situação, se entendem e compartilham do mesmo “sofrimento”, tornando-se titulares de seu relacionamento único e fora da “lei”.
Em outras situações não há um amante fixo, é um risco muito grande a correr, imagina o estrago que poderia causar na sociedade vivida pelo traidor. Para que isso não ocorra, há então, vários amantes - cada um complementando o que falta ao traidor.
Gostos, ideais, desejos sexuais, essa junção de valores e fatores justificam para ambos o envolvimento “anormal”, seja consciente ou inconscientemente.
Nestes casos, a única forma de romper esse ciclo é pelo uso de uma força de vontade descomunal, aceite do ser como é e amor entre as partes, sem isso vive-se eternamente preso ao que a sociedade impôs, ocorrendo rompimentos de vários lados e buscas incessantes de si mesmos.
Instabilidade emocional - por vezes, as pessoas se veem envolvidas em um relacionamento no qual se sentem subjugadas e incapazes de sobreviver sozinhas.
Não estão satisfeitas no relacionamento, mas não são capazes de sair dele sem que haja onde se segurar. A dependência e a instabilidade emocional tornam aquela pessoa incapaz de romper o vínculo construído.
Aqui, não se fala de relacionamento abusivo, mas de sentimento interno mesmo, um sentimento tão forte que obriga a pessoa a apenas sair daquele relacionamento quando encontrar outro que supra sua necessidade e assim em diante, é um círculo vicioso.
O traidor, em geral, busca no amante um refúgio, um porto seguro, um meio de se ver livre, mesmo que por alguns momentos da insatisfação que é sua vida, cabendo ao amante decidir ser esse porto seguro e manter-se naquele ciclo ou assumir para si a responsabilidade de tornar-se titular, sendo ele o objeto da dependência do traidor e, para não ser traído, estar em constante mobilidade para fornecer àquele a segurança emocional que ele não possui.
Essa responsabilidade, de certa forma, gerará o receio no novo titular de ser traído por não conseguir suprir a dependência do traidor.
A quebra desse ciclo ou a resolução do problema, nesse caso, encontra-se única e exclusivamente no traidor. Não será outra pessoa ou outra situação que mudará o rumo das coisas, apenas o esforço próprio do traidor em se tornar um ser único fará com que não precise mais trair.
Zona de conforto - uma frase que se escuta muito de um traidor é “para que mexer no que tá quieto?”. Dá muito trabalho separar-se, divorcio, partilha de bens, brigas intermináveis, pensão, filhos, não vale a pena o transtorno! Assim, leva-se com a barriga um relacionamento fadado ao fracasso pelo simples fato de não querer o confronto direto.
Trair é a única forma de encontrar o prazer e a satisfação que no relacionamento não existe mais.
Filhos - dizem que filho não prende relacionamento, o que não é de todo verdade. É muito comum manter-se em um relacionamento, anulando-se por completo, para criar os filhos em uma família no modelo tradicional.
Esse tipo envolve não só os filhos, única e exclusivamente, como também o encaixe do contexto social, o envolvimento financeiro, a zona de conforto e a instabilidade emocional, todas as razões se encaixam de forma a tornar o traidor incapaz de romper o ciclo.
Usa-se a desculpa de que os filhos não têm culpa de seus pais não estarem bem, assim, prorroga-se o término do relacionamento para quando os filhos estiverem adultos, crescidos e donos de si.
Uns cumprem esse compromisso, outros entram na zona de conforto e assim a traição se torna uma válvula de escape para o tormento criado, um meio de fugir, por alguns momentos, de sua vida miserável.
Em todos os casos, o amante se submete, por livre e espontânea vontade ou não, consciente da situação em que se encontra ou não, a ser o outro na vida do traidor, por vezes suportando vê-lo com a terceira pessoa, ouvi-lo mentir e enganar, a sentir-se só - pois o traidor tem hora e lugar para estar, a estar fadado a ser sempre a segunda, terceira ou quarta opção na vida daquele a quem se dedica o sentimento, se submete a ter que sair de lugares e situações para não correr o risco de ser pego.
Enfim...
Mesmo que o ciclo se rompa e o amante se torne o titular, o receio de ser traído é latente. Não dá para acreditar que será diferente pelo simples fato de o traidor ter enfrentado perigos para estar ali.
A insegurança e a desconfiança estarão sempre presentes, porque se a pessoa foi capaz de trair uma vez, o que a impedirá de trair de novo?
Por essa razão, envolver-se em triângulos, quadriláteros, octógonos amorosos deve ser muito bem pensado, pois essa geometria é quase inquebrantável.
A quem desejar correr o risco, boa sorte, só não cobre o que sabe que não poderá ser seu.