CAPÍTULO 1 - O BOM JOSÉ

Era uma vez, em outro lugar, em outro tempo antes que o homem cruzasse o Atlântico e desbravasse o Novo Mundo, literalmente num velho mundo, numa civilização que já não mais existe há muito, muito tempo. Enquanto todos os dias, pessoas de todos os lugares que vem e que vão de viagem passam anonimamente pelo poço de Nazaré, uma pequena cidade, isso é, se é que pode chamar este lugar de cidade, senão mais uma aldeia ou povoado se preferir da Galiléia, ao Norte de Israel, onde os romanos ocasionalmente passam por ali marchando, os nobres de todos os lugares, judeus, partas, babilônios, egípcios, romanos, núbios, gregos, persas, qualquer um de qualquer nação passam pelas estradas empoeiradas e secas da região.

As pessoas que por ali passam constantemente, em sua maioria, são os viajantes que estão indo e vindo em direção ao Mar Mediterrâneo, ou, em direção até a velha Jerusalém, capital de Israel e o coração da fé judaica. Alguns vão para o Egito ou para Fenícia, importante rota comercial da região, notória por seus barcos e navios. Quase ninguém que passa por ali, fica por ali. Alguns sequer sabem o nome daquele povoado. Outros, ignoram até mesmo as criancinhas nazarenas que por conta curiosidade, ficam a fitar os dromedários dos viajantes. Raramente, alguém passa por ali a pé, senão, os sicários, os zelotes, os rebeldes judeus que querem expulsar os romanos de sua terra.

O fato é, Nazaré não tem mais de trezentos ou quatrocentos habitantes, se tiver mais do que isto, é muito. Mas, quase todos em sua maioria são analfabetos, com exceção de alguns moradores como o rabino da cidade, se é que Nazaré pode ser chamada de cidade, por causa do tamanho pequeno entre tantas outras cidadezinhas da Galileia, que era uma exceção a parte em Nazaré. Ele era um homem muito culto e letrado de Jerusalém, conhecia bem as escrituras sagradas dos judeus e também entendia de grego e latim, além do aramaico e do clássico hebraico. O rabino de Nazaré se chamava Samuel e era um homem simples, era apenas um típico jovem homem da Galiléia, com calos nas mãos, apesar de ser rabino, trabalhava no campo com plantação de milho e hortaliças. O rabino estava na casa dos trinta anos, sua aparência era típica das pessoas da região da Galiléia. O seu cabelo era crespo, de longe via-se que não era bem cuidado, pois, estava ressecado pelo sol quente da região, era preto com alguns poucos fios brancos, uma leve calvície quase imperceptível, barba cheia, aliás, naquele dia, por ser um dia comum da semana ele trajava suas roupas do cotidiano, e por falar em cotidiano, diariamente, se questiona todos os dias sobre a vinda do prometido Messias, lendo e relendo as escrituras em pergaminhos e na própria Torá.

Aquela era apenas mais uma noite fria do mês de Casleu, o que é o equivalente ao mês de dezembro no calendário que atualmente é conhecido como Calendário Gregoriano. O rabino de Nazaré, o sábio e gentil Samuel lê uma passagem das escrituras do profeta Isaias, onde ele fala sobre o sofrimento do servo de Deus. Ele á lê com tanta devoção que faz cada palavra lida ter um gosto de esperança em sua boca:

“E quem poderia crer naquilo que nós acabamos de ouvir? E quem diria que era o Senhor que estava agindo? Pois o Senhor quis que o seu servo aparecesse como uma plantinha que brota e vai crescendo em terra seca. Ele não era bonito e tampouco simpático, nem tinha nenhuma beleza que chamasse a nossa atenção ou que nos agradasse. Ele foi rejeitado e desprezado por todos, ele suportou dores e sofrimentos sem fim. Era como alguém que não queremos ver e nós nem mesmo olhávamos para ele e o desprezávamos. No entanto, era o nosso sofrimento que ele estava carregando, era a nossa dor que ele estava suportando. E nós pensávamos que era por causa das suas próprias culpas que Deus o estava castigando, que Deus o estava maltratando e ferindo. Porém ele estava sofrendo por causa dos nossos pecados, estava sendo castigado por causa das nossas maldades. Nós somos curados pelo castigo que ele sofreu, somos sarados pelos ferimentos que ele recebeu. Todos nós éramos como ovelhas que se haviam perdido, cada um de nós seguia o seu próprio caminho. Mas o Senhor castigou o seu servo e fez com que ele sofresse o castigo que nós merecíamos. Ele foi maltratado, mas aguentou tudo humildemente e não disse uma só palavra. Ficou calado como um cordeiro que vai ser morto, como uma ovelha quando cortam a sua lã. Foi preso, condenado e levado para ser morto, e ninguém se importou com o que ia acontecer com ele. Ele foi expulso do mundo dos vivos, foi morto por causa dos pecados do nosso povo. Foi sepultado ao lado de criminosos, foi enterrado com os ricos, embora nunca tivesse cometido crime nenhum, nem tivesse dito uma só mentira. O Senhor Deus diz: “Eu quis maltratá-lo e fazê-lo sofrer”. Ele ofereceu a sua vida como sacrifício para tirar pecados e por isso terá uma vida longa e verá os seus descendentes. Ele fará com que o meu plano dê certo. Depois de tanto sofrimento, ele será feliz por causa da sua dedicação, ele ficará completamente satisfeito. O meu servo não tem pecado, mas ele sofrerá o castigo que muitos merecem e assim os pecados deles serão perdoados. Por isso, eu lhe darei um lugar de honra ele receberá a sua recompensa junto com os grandes e os poderosos. Pois ele deu a sua própria vida e foi tratado como se fosse um criminoso. Ele levou a culpa dos pecados de muitos e orou pedindo que eles fossem perdoados.

Então, quando ele terminou de ler esta passagem das escrituras, o rabino bateu em seu peito como costumavam fazer os judeus quando havia algum pedido por misericórdia ou lamentavam, pois, mais do que nunca se questionou sobre o Messias e bradou a Deus dizendo:

— Senhor Deus, Rei do Universo! Eu te suplico, para que nos envie o Messias. Que a tua vontade prevaleça, não a nossa, somos teus servos, ó Senhor, tu que libertaste o nosso povo de cativeiro e nos livrou dos domínios estrangeiros. Tu que és o Deus do amor, da bondade, tu que nos deste a vida, mas, nós nos distanciamos de ti, ó Senhor.

Ali ficou por mais algum tempo o rabino, orando ao Deus do universo, Elohim, Adonai, Jeová, ou outros nomes que os judeus chamavam o deus que não tinha imagem e nem nome. Então, aquela noite acabou e logo, um novo dia começou. Entretanto, havia na pequena cidade de Nazaré da Galiléia um homem visto por todos como um homem muito bondoso chamado José, filho de Heli que por sua vez, era filho de Matã, nascido em Belém que por uma coincidência do destino, era descendente direto de nomes importantes para a fé judaica como Abraão, Judá e de Davi. Para ser exato, a genealogia de José era um pouco longa, remontava desde os tempos imemoriais:

José, que era filho de Jacó (não o patriarca, naturalmente, mas, um homem que era conhecido também como Heli), Jacó Heli era filho de Matã, que foi filho de Levi, filho de Melqui, filho de Janai, filho de José, filho de Matatias, filho de Amós, filho de Naum, filho de Esli, filho de Nagai, filho de Máate, filho de Matatias, filho de Semei, filho de José, filho de Jodá, filho de Joanã, filho de Resá, filho de Zorobabel, filho de Salatiel, filho de Neri, filho de Melqui, filho de Adi, filho de Cosã, filho de Elmadã, filho de Er, filho de Josué, filho de Eliézer, filho de Jorim, filho de Matã, filho de Levi, filho de Simeão, filho de Judá, filho de José, filho de Jonã, filho de Eliaquim, filho de Meleá, filho de Mená, filho de Matatá, filho de Natã, filho de Davi, filho de Jessé, filho de Obede, filho de Boaz, filho de Salá, filho de Naassom, filho de Aminadabe, filho de Arni, filho de Esrom, filho de Peres, filho de Judá, filho de Jacó, filho de Isaque, filho de Abraão, filho de Terá, filho de Naor, filho de Serugue, filho de Reú, filho de Pelegue, filho de Éber, filho de Selá, filho de Cainã, filho de Arpachade, filho de Sem, filho de Noé, filho de Lameque, filho de Matusalém, filho de Enoque, filho de Jarede, filho de Maleleel, filho de Cainã, filho de Enos, filho de Sete, filho de Adão, o primeiro homem tido como o filho de Deus.

Ao menos, era assim que o bom José conhecia o nome de todos os seus antepassados, desde os dias do Éden em que viveu o primeiro homem, Adão até os seus dias passando por milhares de anos. Era uma tradição em muitas famílias registrarem seus antepassados desde os tempos imemoriais até seus dias e na família de José era uma dessas famílias. José tinha como ancestrais o pai da fé judaica, Abraão e seus herdeiros Isaque e Jacó. Também tinha em seu sangue, herança de reis de Israel como Davi e Salomão. José nasceu na mesma cidade que o lendário rei de Israel, Davi na pequena cidade de Belém na Judéia. José era um homem comum, por aquela época, estava beirando os seus quarenta anos, tinha os cabelos pretos com alguns fios brancos, quase imperceptível de quem visse de longe, tinha barba como era costume dos judeus, quanto à sua aparência geral, era a típica aparência de um artesão do interior de Israel, o rosto com leves marcas de cansaço, olhos castanhos, usava sempre um avental marrom, era o carpinteiro de Nazaré. O único carpinteiro de Nazaré. José não só trabalhava como carpinteiro, mas, ocasionalmente, fazia trabalhos como pedreiro. Algo que os gregos chamam de tekton e enquanto vivia na Judéia, o conheciam como Yoset Tekton, muito por causa dos judeus helênicos. Mas, sobre Nazaré, José era o único carpinteiro da aldeia. José que era viúvo há alguns anos, para ser exato, há uns sete anos mais ou menos, ele ficou viúvo de sua esposa Judite, pouco após o nascimento do seu filho que morreu no parto e por consequência, Judite também faleceu. José entrou em profundo sofrimento, perdeu o rumo da vida e trabalhando aqui e ali, decidiu por fim, ir embora da Judéia e ir para a região da Galiléia para refrescar a cabeça. Porém, mesmo em momentos de tristeza e dúvidas, sempre teve o apoio de seu irmão mais velho, Cleófas, que também era conhecido pelo nome de Alfeu, que, era um apelido.

Passado um tempo após o período de luto que durou um bom tempo, o bom José mudou-se de Belém e foi para Nazaré junto com seu irmão, Cleófas e sua esposa, Miriam Salomé, ou, conhecida também como Miriam (Maria) de Cleófas e os filhos do casal. Os nomes dos filhos de Cleófas eram todos nomes populares na Palestina, não é em vão que Judas ganhou o apelido de Tadeu (dádiva de Deus), Simão (que um dia se chamaria Simão, o zelote por conta de suas ideias revolucionárias e de ter amigos zelotes), Tiago (conhecido como Tiago Justo) e o primogênito José Jacob (que foi chamado de José em homenagem ao bondoso tio José). Talvez, o mais importante, era que os quatro meninos, cada um com uma personalidade diferente.

Como já dito, o filho mais velho de Cleófas que passou à se chamar Josefo ou José Jacob (em homenagem ao tio e ao avô para diferenciar os nomes de tio e sobrinho, o apelidaram de Josefo) já tinha 11 anos, era um menino habilidoso com ferramentas, certamente seguiria os passos do tio no ramo da carpintaria. Simão era o mais quieto dos quatro, desde a ida para Nazaré, Simão tornou-se recluso, o menino de 9 anos, tinha tudo para seguir os passos do tio, assim como o irmão mais velho, adorava mexer nas coisas do tio na oficina, muitas vezes, tendo que ser repreendido. Judas Tadeu era o mais temperamental dos quatro, tinha sete anos e sempre brigava com os irmãos mais velhos e quando não conseguia o que queria, descontava sua frustração em Tiago, seu irmão mais novo de cinco anos que adorava brincar com os brinquedos que José fazia para os meninos. Por incrível que pareça, Tiago era o único que conseguia ter uma boa comunicação com Simão, o mais quieto, mas, as brincadeiras sempre acabavam quando Tadeu chegava e queria brincar de guerra. José tolerava as brincadeiras, mas, muitas vezes, era preciso apartar quando os meninos perdiam a noção do que é brincadeira e o que não é. Apesar dos pesares, eram bons meninos. Apesar de Cleófas ser um pai presente aos meninos, os meninos tinham em José como um pai para eles, pois, diferente de Cleófas, José sabia lidas com os meninos. Isso talvez, por ter perdido seu filho no parto, José se apegou de tal modo aos filhos de Cleófas, que, às vezes, era chamado de pai pelos meninos e isso enciumava Cleófas, mas, nunca se importou, pois, sabia da condição do irmão.

Certa vez, enquanto José estava fora e as crianças sobre os cuidados do pai, Cleófas e de Miriam, Judas Tadeu entrou na oficina do tio José, pegou uma de suas serras e correu atrás de Simão e Tiago. Josefo ao ver, desarmou o irmão e os dois brigaram. Não deixando barato, Tadeu chamou o irmão de Golias e disse:

— Ei, Golias, olha o que o Davi tem para ti! Seu filisteu!

Então, o pequeno Tadeu sem pudor algum atirou uma pedra em direção ao irmão e acertou a pedrada em cheio na cabeça do irmão deixando-o por bastante tempo com uma cicatriz feia na testa, tendo que usar o cabelo por bastante tempo tampando a testa. É claro que até a paciência do mais paciente dos homens tem limites e nem Cleófas que conhecia bem o irmão se surpreendeu que o bom José, assim como qualquer um naquela ocasião deu umas boas palmadas em Judas Tadeu. Mas, por José não ser pai dos meninos, Cleófas consentiu para que José desse uma lição em Judas Tadeu.

O motivo de José sair e passar quase o dia todo fora de casa, foi que, naquela manhã, o rabino de Nazaré foi procurar José para consertar um dos bancos da sinagoga e também encomendar um arado para que ele usasse no campo. José, sendo hábil como era e muitas vezes, não se via tão hábil quanto as pessoas o viam, por isso, o chamavam de humilde e até piedoso, fazia um arado em menos de uma hora. Quanto ao banco da sinagoga, pelo fato do banco que o rabino precisava carregava ser pesado e grande demais para ser arrastado e José ser uma pessoa relativamente forte, o bom José prontamente foi pessoalmente até a sinagoga com o rabino, com suas ferramentas e lá mesmo consertou o banco da sinagoga de maneira rápida e cirúrgica. Nunca mais aquele banco deu qualquer problema. Apenas uma vez, uma velha fofoqueira de Nazaré caiu ao ficar bisbilhotando uma vizinha, mas, isso é outra história. Conhecendo bem José, sabendo do caráter do carpinteiro, o Rabino Samuel fez uma proposta para José.

— José, eu tenho uma proposta para te fazer.

— Proposta? Trabalho? – perguntou José ansioso para trabalhar, afinal, Nazaré por ser uma pequena cidade, tinha poucas oportunidades para ele.

O rabino sacudiu a cabeça negativamente, mas, sorriu, não ironicamente, mas, de maneira sincera, como se soubesse que José era o homem certo para tal missão e disse ao bom José.

— Bem, eu irei direto ao assunto, José. Há uma moça na cidade chamada Maria, seus pais, certamente tu os conhece, Joaquim, o ancião e Ana, a estéril.

— Claro que eu os conheço, mas, eu confesso ao senhor que eu não sabia que tinham uma filha. Eu mesmo, nuca a vi, até estou surpreso.

— Maria viveu até hoje em Jerusalém, o sacerdote Zacarias é casado com uma prima dela e era o seu tutor em Jerusalém. Na verdade, segundo Zacarias, houve alguns pretendentes para ela em Jerusalém mesmo, mas, nenhum se mostrou integro o suficiente para desposar ela.

— Olha, eu não vou a Jerusalém ou mesmo até a Judéia desde que... o senhor sabe, mestre Samuel... – José foi ficando com a voz embargada. — Minha vida é aqui na Galiléia. – respondeu José tentando disfarçar a tristeza.

O rabino se demonstrou pertinente:

— Sim, eu sei, mas, Maria é jovem e precisará se casar.

— Por que eu? Por acaso, em Nazaré há tantos jovens, fortes, saudáveis, ambiciosos. Fisicamente, até mais fortes do que eu, mais, até, bonitos do que eu. Se por mal eu pergunte, qual é a idade da moça? – disse José gesticulando como se fosse um homem velho.

Mas, o rabino não desistiu de convencer José e disse:

— Mas, José, Maria já tem quinze anos, já é uma mulher. E de acordo com nossos costumes, ela está na idade de ser desposada por um jovem.

José riu pelo fato do rabino ter detalhado a idade da jovem e disse:

— Bem, eu entendo a questão de ela ter que se casar, é nosso costume, mas, e os jovens de Nazaré? Certamente, há algum que possa desposa-la e dar para ela um futuro que ela possa se orgulhar. Como o senhor disse, ser desposada por um jovem, ninguém me conhece melhor do que eu e sei que sou um homem que conheceu de tudo na vida. As coisas boas e os dissabores da vida. Ah, rabino, por que eu?

O rabino mexendo na barba como se buscasse resposta para a pergunta de José, disse ao carpinteiro de Nazaré:

— Os jovens são todos idealistas, querem lutar contra Roma e Herodes, Maria ficaria viúva logo e sabe bem como as viúvas são tratadas em Israel. E porventura, há orgulho em uma viuvez repentina por conta de ideologias fracassadas?

— Não acho que querer a liberdade para Israel seja uma ideologia fracassada. Eu sou um homem muito velho para ela, ao menos, assim me vejo. Eu não a conheço, mas, ela é uma jovem com todo o futuro pela frente. Tem quase a idade do meu sobrinho mais velho. – respondeu José ao rabino Samuel.

— Mas José, ela precisa de alguém que seja uma figura maior que um marido, mas, um homem que possa ser quase um pai para ela. José, te conheço bem, seu da tua índole, de teu caráter, da tua bondade, por acaso, me daria a honra de ao menos conhecê-la? – continuou o entusiasmado rabino Samuel para convencer o relutante bom José.

José relutante, disse ao rabino como se estivesse mais preso ao passado do que vivendo o presente e o rabino pode perceber:

— Poderia, mas, o senhor não acha certo algum outro casar-se com ela? Eu não me sinto à altura de tal missão. Mas, a vontade de Deus deve prevalecer, não a minha.

— Isso, a vontade de Deus, José! Sim, certamente, a vontade do Senhor é que um homem justo, venha desposar Maria, não um jovem idealista sonhador que numa bela manhã, se acordará frustrado como se tivesse bebido na noite anterior. Não se preocupe, José. Deixe comigo, eu resolverei a situação, eu arranjarei tudo. Conversarei com Ana e com o bondoso Joaquim e quem sabe, tu ficas no Shabbat na sinagoga após o encontro semanal. Naturalmente, eu pedirei para que eles tragam Maria e após a nossa reunião, nós conversaremos.

— Estarei lá. – respondeu José pensativo e com uma forte relutância dentro de si.

José e o rabino Samuel se despedem e José foi para sua oficina pensativo sobre a proposta do rabino e pensando em quem era a jovem Maria. José não pensava na sua beleza, mas, poderia uma jovem de quinze anos preencher o coração de um homem que tanto já sofreu na vida e passou por tudo que passou, como José, um homem que há poucos anos era feliz, casado, e agora é homem cujo sustendo de sua casa depende dele e de seu irmão com filhos pequenos para criar. José tinha medo de tornar-se viúvo novamente, mas, o grande medo era, teria Maria condições de lhe dar um filho e ainda assim, ter uma boa relação com os seus sobrinhos, por quem ele tinha uma relação praticamente de pai e filho. No leito de morte de Judite, prometeu a ela que se no futuro se cassasse, cuidaria dos filhos e faria o possível e o impossível para que eles tivessem um futuro melhor que o dele, ao menos, pensava José que poderia fazer de seus filhos, referência para os demais em sua região. Mas, o coração de José estava vazio, dolorido e havia muito medo nele em sofrer como sofreu por causa da sua esposa que morreu. Ele não queria passar por tudo aquilo de novo. Para ele, viver num mundo onde perdeu a mulher e o filho, era um destino mais cruel do que a morte.

Enfim chega o dia tão esperado pelo rabino, pelos pais de Maria e até mesmo pelo relutante José, o sagrado shabbat, a reunião dos nazarenos na sinagoga para lerem a Torá termina. A leitura daquele dia foi uma passagem onde falava sobre o Messias:

Mas a aflição dos que estiverem sofrendo vai acabar. No passado, Deus humilhou a terra das tribos de Zebulom e de Naftali, mas no futuro ele tornará famosa essa região, que vai desde o mar Mediterrâneo até a terra que fica no lado leste do rio Jordão, isto é, a Galiléia dos pagãos. O povo que andava na escuridão viu uma forte luz a luz brilhou sobre os que viviam nas trevas. Tu, ó Deus, aumentaste esse povoe lhe destes muita felicidade. Eles se alegram pelo que tens feito, como se alegram os que fazem as colheitas sou como os que repartem as riquezas tomadas na guerra. Tu arrebentaste as suas correntes de escravos, quebraste o bastão com que eram castigados e acabaste com o inimigo que os dominava, assim como no passado acabaste com os midianitas. As botas barulhentas dos soldados e todas as suas roupas sujas de sangue serão completamente destruídas pelo fogo. Pois já nasceu uma criança, Deus nos mandou um menino que será o nosso rei. Ele será chamado de “Conselheiro Maravilhoso”, “Deus Poderoso”, “Pai Eterno”, “Príncipe da Paz”. Ele será descendente do rei Davi e o seu poder como rei crescerá e haverá paz em todo o seu reino. As bases do seu governo serão a justiça e o direito, desde o começo e para sempre. No seu grande amor, o Senhor Todo-Poderoso fará com que tudo isso aconteça.

Conta-se que o primeiro encontro entre José e Maria se deu enquanto ela estava no templo, onde, havia alguns pretendentes para se casar com ela. O velho Zacarias, marido de Isabel e tutor de Maria, selecionou alguns pretendentes que ele julgava justo e os levou até lá e deu à eles um bastão e aquele que tivesse o bastão aflorado, seria o marido de Maria. E no caso, foi o de José que aflorou. Então, José tomou Maria e à levou para Nazaré onde em pouco tempo se casaram. Porém, de fato, foi algo bem diferente e não tinha a presença de Zacarias na reunião. Sobretudo, foi o rabino Samuel responsável pelo encontro que fez com que Maria e José se conhecessem.

Naquela época, os pais de Maria pouco tempo antes do encontro entre Maria e José se mudaram para Nazaré após Maria completar quatorze anos. O motivo da mudança era claro: tranquilidade. O casal Ana e Joaquim viviam em uma área relativamente confortável em Jerusalém e apesar do conforto e da condição financeira boa deles, eles queriam muito ir embora de lá devido a movimentação que havia lá e que a qualquer hora, poderia haver uma rebelião por parte dos zelotes na cidade e quando eles tiveram a chance de se mudarem de lá, saíram de imediatamente de lá.

A família de Maria procurava algum lugar que fosse calmo e onde pudessem viver o resto de seus dias sossegados e rezavam para que Maria encontrasse um marido justo. Talvez, a cidade marítima de Cafaranaum? Não, por mais que Cafaranaum fosse uma cidade relativamente organizada, ainda assim, era excessivamente movimentada, especialmente na questão marítima. Fora que, os impostos lá eram altos. Alguma cidade no campo, talvez? Não. Procuravam mais paz e um lugar onde os romanos não atacassem com tanta frequência. Foi assim que encontraram a pequena cidade de Nazaré. Quando chegaram à Nazaré, viram que ali era o lugar onde encontrariam a paz e a tranquilidade da qual tanto almejavam. Aquelas casas, não muito grandes, mas o suficiente para que tivessem o mínimo de conforto. Maria estranhou o lugar primeiramente, logo, acostumou-se. Era tão raro, para não dizer nunca, ouvir Maria reclamar de algo. E entre reclamar e fazer, ela preferia fazer. Em seu tempo livre, ela passava mais tempo refletindo, orando, do que pensando coisas aleatórias, afinal, sua criação no meio de figuras proeminentes judaicas à moldou como uma moça de profunda fé.

Na sinagoga, José está sentado ao lado do rabino Samuel, os filhos de Cleófas e Miriam também estavam presentes. Maria chega acompanhada de seus pais, usando uma túnica branca, cabelos descobertos com tranças e um sorriso tímido. Maria percebe que o pequeno Simão está cabisbaixo e antes de ir até José e o rabino, vai até o menino e acaricia sua cabeça perguntando se ele está bem. Simão permanece em silêncio e não responde. José observa Maria que se dirige a ele. José encantado pela beleza de Maria mostra-se cordial. Maria senta-se entre seus pais. A conversa se inicia com o rabino falando sobre a história de José, que nasceu em Belém e vem da linhagem de Davi, viúvo que vivia com o irmão, a cunhada e com quatro filhos. Maria, inteligente, comenta que também tem uma ligação com a linhagem de Davi. Após uma conversa um pouco descontraída, o rabino Samuel toca no assunto de casamento. Ana e Joaquim gostam da ideia de José, um homem honrado e sem os ideais que os muitos jovens nazarenos carregam em internamente em si por aqueles dias contra o império romano e sobre Israel, seja o futuro marido de Maria. Joaquim toma a palavra e diz ao bom José:

— Bom, sei de teu caráter, José. Sei que não é um homem idealista, ao menos, não apoia a violência pelo que me consta, sei que és um homem sonhador, e quem não é? Sobretudo, tu és um homem honesto, trabalhador, um homem que muitos almejam ser, mas, não o são por conta do teu caráter ímpar em nossa Nazaré.

José sorri agradecido ao velho Joaquim. Maria sorri, mas, em sinal de obediência abaixa a cabeça e diz em adoração a Deus:

— Que assim seja feito. Se for a vontade de Deus, que seja feita somente a vontade dele, não a minha.

José pergunta:

— E Maria?

— O que tem Maria? – pergunta Joaquim.

— O que ela pensa sobre isso? Eu gostaria de ouvi-la. – diz José afim de fazer Maria perder a sua timidez.

Maria sorri e diz:

— Eu sou a serva do Senhor. Que se cumpra em mim a sua vontade.

José sorriu e se encantou com a fé de Maria. Após a reunião, José apresenta a Maria os seus filhos. Maria percebe a tristeza de Simão e o encanta com seu jeito de menina e um ar quase maternal, faz o pequeno Simão dar um sorriso para Maria chamando a atenção de José e de seus irmãos. Josefo fica alegre ao ver o irmão sorrir. O tempo passa e Maria e José se decidem se conhecer melhor, Maria visita José em sua oficina, brinca com os meninos, Simão já não é mais um menino introvertido e sim um menino sorridente, pois, encontrou em Maria uma irmã, uma amiga e principalmente uma mãe. Cleófas e sua esposa veem algo de diferente em Maria, algo inocente, puro e verdadeiro. Cleófas até brincou com Miriam:

— Ela poderia cuidar das crianças, não acha?

Tal comentário, foi o suficiente para que Miriam desse um cutucão no marido. José percebendo a piada, riu constrangido, afinal, o irmão era excessivamente bonachão. Mas, Maria diverte os meninos com histórias e brincadeiras e ganha cada vez mais a simpatia dos pequenos e José se sente o mais abençoado dos homens. Sente que Maria será a mãe que tanto procurou para seus filhos e que ela preencherá o vazio deixado por Judite há tanto tempo. Mas, ainda bem fundo em seu coração, havia um pesar sobre Judite, sentia falta daquela que outrora desposou.

Por esses dias, numa manhã ensolarada e florida de primavera, próximo ao meio dia, um homem chamado Eleazar, está voltando da Síria depois de uma estada em Damasco e vindo ele acompanhado de alguns trabalhadores braçais, cerca de nove homens, alguns dos melhores pedreiros da Síria que foram contratados por ele para erguer uma casa em Betânia na Judéia, todos montados em camelos, descem do dromedário e ficam a vontade e descansados ao redor do poço. Porém, faltava um carpinteiro ágil para o trabalho. Passando por Nazaré, Eleazar e seus homens param no poço de Nazaré. Maria está pegando água naquele exato momento onde Eleazar se aproxima da jovem e pergunta:

— Ouvi dizer que há um carpinteiro hábil e honesto em Nazaré que se chama José de Belém. Onde posso encontra-lo?

Maria se alegra ao ouvir o homem perguntar e perceber pelas vestes que não era um homem qualquer e sim um homem com posses que poderia pagar bem a José. Nos últimos tempos, José tem reclamado de ter pouco trabalho e pouco salário, pois, Nazaré é uma pequena cidade e muitos dos trabalhos que surgem para José, são das cidades vizinhas. Maria deixa o jarro que carrega consigo e leva Eleazar até a oficina de José. Eleazar se apresenta e José o recebe. Eleazar senta-se em um dos bancos da oficina de José e diz:

— Sou um próspero mercador, um homem com posses, estou de mudança de Magdala para Betânia na Judéia e eu estou recrutando alguns dos melhores homens para erguer minha casa na cidade. Para ser exato, estou vindo de viagem da Síria onde, encontrei estes homens pelo caminho em aldeias pela Galiléia. Se me permite me apresentar melhor, eu sou natural da Síria, mais precisamente de Damasco, e, há muito não ia para a terra de meus pais, pois, cresci em Jerusalém, mas, passei maior parte de minha infância em Belém e pela Judéia. Eu lembro que havia um homem bom, aliás, muito bondoso e honesto, como poucos que eu já conheci em minha vida e ele se chamava Heli, um exímio carpinteiro cujo filho, seguiu sua profissão de carpinteiro e ele tinha um filho que também era um exímio carpinteiro. A última vez que ouvi falar do filho de Heli, foi sobre ele ter vindo para a Galiléia viver uma vida reclusa. Eu sei que é o José, filho de Jacó, o filho de Matã. Não entendo o motivo de ter saído da Judéia e vir para cá, mas, porventura, tu terias interesse em se juntar a nós?

José relutante, pensativo ele olha para Maria e então para a sua oficina, pensa nos meninos também.

— Sou um pobre carpinteiro, viúvo e não vou a Judéia desde que eu vivo aqui em Nazaré. Irei casar muito em breve com esta moça. – diz José.

Eleazar sente que José necessita de dinheiro para o casamento e faz novamente a proposta:

— Gostaria de se juntar a nós? Em três meses, estará de volta a Nazaré, com dinheiro. Pago bem, enquanto todos pagam apenas uma dracma por dia, eu pago um bom salário. Dez dracmas por semana.

Eleazar tira do cinto, um saco com moedas, há cerca de vinte e cinco dracmas dentro do saco e oferece à José. Que recusa, mas Eleazar insiste para que José aceite as moedas.

— Bem, José, se tu quiser, eu posso te dar um adiantamento pelo trabalho, não me importo em fazer isso. – Eleazar coloca o saco e tira as moedas e as coloca em cima da mesa.

José pensa no seu casamento que ocorrerá em breve e no irmão, na cunhada e nos meninos. Sabe que vai sentir saudade do núcleo no qual convive. Ele olha para Maria, como se pedisse a aprovação da moça e Maria sinaliza positivamente em silêncio para José com um sinal de positivo com a cabeça. José suspira e diz como se já sentisse saudade de casa desde já:

— Aceito. Mas, em três meses, estarei de volta á Nazaré.

— Feito! – respondeu Eleazar selando o acordo.

José e Eleazar fecham o acordo apertando as mãos. Maria sorri para José.

— Nós partiremos amanhã cedinho, assim que o sol raiar. Algum problema?

José negou com a cabeça haver algum problema e aceitou o trabalho oferecido por Eleazar.

— Problema algum. Estarei em pé a tua espera, meu amigo. – disse José.

Naquela noite, Eleazar se hospeda na casa de José junto com seus trabalhadores, onde, dormem na oficina. Naquela noite, José janta com Maria, Joaquim, Ana, Eleazar e os trabalhadores na casa de Ana e Joaquim. Maria e José na rua, conversam olhando a lua. José diz para Maria:

— Sabe, no fundo eu sinto, tenho quase certeza que eu não sou o homem certo para ti, Maria.

— Por quê? – indaga Maria com um olhar inocente, quase infantil ao bom José.

— Não sou jovem, sou um homem praticamente velho, um homem que já sofreu demais na vida. Eu não quero que sofra. – disse José se lamentando.

Maria toca no rosto cansado e sofrido de José e diz:

— Por que diz isso? Eu sei que és a pessoa certa para mim. Eu não sei o que vai acontecer no futuro, não sei mesmo, mas, sei que vais me dar um lar, irá me cuidar e é só isso que eu quero. Não quero luxo, nem nada. Só quero alguém que me ame e me aceite como sou. Meus pais dizem que eu sou um presente dos céus. Sabe, minha mãe era estéril e num belo dia, ela ficou grávida de mim. Assim que nasci, fui levada ao templo, nós morávamos bem perto do templo, sabia? Lá no templo, eles me consagraram e eu só sairia dali quando meu pai encontrasse o homem certo para que eu casar.

— E por acaso, o velho e querido Joaquim acha que sou eu o homem certo para uma jovem que nem tu, Maria? – pergunta José com um ar de graça.

— Talvez, mas, eu sinto que és a pessoa que eu quero envelhecer ao lado. – disse Maria com os olhos brilhando sob a luz da luz.

Maria e José ficaram conversando por mais algum tempo. Pareciam um casal de jovens namorados. Eleazar observou os dois, mas, nada falou. Quando Maria entrou em casa, Eleazar se aproximou de José e disse:

— És o mais sortudo dos homens.

— Por quê? – questionou José curioso.

Eleazar sorriu, pensando na esposa, no filho pequeno e no filho que sua esposa esperava e disse ao bom José:

— Sabe, José, não sei o que passou na vida. Tuas mãos calejadas são mais felizes do que as minhas. Meu pai deixou uma herança para mim e eu soube dar continuidade ao que ele me deixou. Eu confesso que vivo em um certo conforto. Minha esposa já está em Betânia com meu filho, inclusive, está grávida. Não me perdoaria se eu perdesse o nascimento do meu filho. Sabe, José, tu tens uma moça apaixonada genuinamente por ti. Quer algo à mais?

José respirou fundo e disse carregando uma melancolia em sua voz e ela pode ser notada por Eleazar:

— Sabe, eu já fui casado.

— Mesmo? Eu não sabia. Sinto muito, José. – perguntou Eleazar surpreso.

— Tudo bem, meu amigo. A minha infelizmente esposa morreu no parto. Se depender de mim, eu nunca mais quero ter que voltar a minha cidade natal em Belém. Só em pensar, meu coração sangra. É uma tristeza que nunca passa. Talvez, um dia, não sei se vai passar, mas, talvez, amenizar. Mas, por enquanto, ainda não cicatrizou o meu coração. – disse José com um sorriso querendo disfarçar a melancolia ao lembrar de sua finada esposa.

Eleazar tocou no ombro de José e disse:

— Olha, meu bom José, eu entendo bem. Se não foi exagero de minha parte, eu te digo, tenha ânimo, paciência. Eu sei que coisas vão melhorar.

— Quisera eu ter neste momento o teu otimismo, meu bom amigo.

Eleazar e José entraram e a noite passou. Na manhã seguinte, enquanto o galo canta anunciando o novo dia, José e Maria se despedem. José promete em três meses estar de volta e parte junto com os homens de Eleazar. Ainda havia um camelo vazio e este é o que José monta e segue a o grupo em direção a Betânia da Judéia. Sofrendo o cansaço da viagem, a aridez do deserto da Judéia, enfim, José chega em Betânia. Mas, mal sabe José que sua volta a Nazaré, mudará a sua vida e talvez, mudará a história da humanidade. Por ora, José tem muito trabalho a fazer e pouco tempo a perder. A madeira esperava pelo artesão. 

Mauricio Rocha
Enviado por Mauricio Rocha em 01/09/2023
Código do texto: T7875204
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