Meu céu
Algumas lembranças passam a fazer parte de nós, mesmo que tentemos escapar elas se fazem presentes, seja pelo aroma, pela aparência, uma cor, uma forma, um sabor, um calor, que nos remetem aos mais profundos sentimentos, por vezes guardados e não mais revelados.
Difícil mesmo é quando o lembrar foge a todos os controles mentais e se perfaz pelo mais amplo dos sentidos, quando pela aparência de algo a lembrança traz consigo a cor e o sabor do ser lembrado.
No meu caso o céu que em seu azul brilhante me remete a seus olhos e ao lembrar de seus lindos olhos azuis, vem consigo a textura da sua pele alva como a neve, sua boca rosada e macia como uma flor, seu beijo suave e inquietante, seu gosto puro e inebriante.
Uma cascata de lembranças e sentimentos que a muito estão guardados, trancados, sem esperanças ou expectativas de existir e se fazerem sentir.
Com os sentimentos vêm os questionamentos, e se...
E se eu tivesse tido mais calma e escolhido ficar, mesmo tendo de enfrentar a mim mesma e minha necessidade de me libertar, e se, no segundo momento, eu não tivesse tido medo de ser insuficiente e pensado não ser o bastante para você e dessa vez não ter te feito ir.
Na primeira vez eu fui querendo ficar, mesmo sem saber como, sem entender o que estava sentindo, da segunda vez te vi partir com lágrimas nos olhos por saber que eu te deixei ir e que não teria outra oportunidade, já havia te machucado demais e não tinha como voltar atrás.
Restaram as lembranças do tempo de criança, do recreio na escola, você deitada no meu colo, me fitando com esses olhos cor de céu que me levavam ao paraíso na terra, das implicâncias, do amor da infância, da curiosidade do novo e do medo da descoberta, do primeiro beijo no quarto e da cara de surpresa do amor revelado.
Mais de vinte anos se passaram, mas o céu traz as lembranças com a mesma intensidade do momento vivido, ampliada pela imaginação de como estará hoje, unindo fantasia com nostalgia.
A culpa pela covardia, o remorso pelas decepções causadas, a tristeza por saber ser a única responsável por ter apenas lembranças, nada mais, isso a lembrança também traz.
Existem lembranças que passam a fazer parte de nós, dessas lembranças a de um amor não vivido é a que amarga como fel e tem como propulsão a imensidão do azul do céu.