Dom Cappio brigou sozinho

     Ele fez "greve de fome". Mas, hoje, no poder, ele come e bebe do bom e do melhor.
     Uma coisa é fazer jejum político; outra coisa é jejuar em defesa da Natureza. Nisso reside, pois, a diferença fundamental entre o divulgado jejum do senhor Lula da Silva e o jejum de dom frei Luiz Flávio Cappio, um franciscano raçudo.
     Registre-se, que o bispo Cappio, ao longo do tempo - 33 anos de amor sincero ao rio São Francisco - nesse seu bem-querer ao grande Rio não vacilou, não tergiversou, não traiu, não trocou de lado, não aderiu ao oportunismo barato. Manteve-se sempre fiel ao Velho Chico.
     Da mesma maneira não procederam alguns dos mais "espertos" e entusiasmados defensores da transposição, conhecidos profissionais da política. Entre eles estão políticos baianos que, na base da barganha, conseguem permanecer, indefinidamente, nos corredores e no plenário do Parlamento da República. 
     Há bem pouco, combatiam a transposição das águas são-franciscanas; hoje, aboletados em rendosos cargos públicos, a defendem, com descomunal ferocidade.
     Os sensatos como dom Flávio, condenam esse projeto. Inclusive os três ministros do Supremo Tribunal Federal que votaram contra o prosseguimento das obras de transposição.      Citados na coluna - Transposição sem tradução - da jornalista Dora Kramer, para os ministros Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso e Marco Aurélio Melo  "falta o atendimento a exigências mínimas no projeto, garantias à preservação do meio ambiente, segurança na aplicação dos recursos públicos e explicações quanto ao benefício à população castigada pela seca". No STF somente eles três viram isso? Estranho...
     Levar água para os pobres nordestinos? O futuro mostrará que tudo não passou de enganação. E que, como advertiu dom Flávio, o projeto oficial beneficiará, em primeiro lugar, os milionários do Nordeste.
     Ah, mas dom Pedro também queria a transposição. Cadê o projeto do Imperador? Nunca ninguém mostrou!
   O mundo mudou, gente. Diria que um projeto do Império sobre a transposição, se examinado pelos ambientalistas e ecologistas do Terceiro Milênio, pode não ir além de um documento romântico, inexequível, irreal.

     E por falar em Imperador, houve um que, sensibilizado com o sofrimento dos retirantes cabeças-chatas, prometeu vender os brilhantes de sua coroa para que "nenhum cearense morra de fome". Não me consta que um só desses brilhante tenha ido a leilão.
     Criou-se, posteriormente, o Departamento Nacional de Obras contra a Seca - DNOCS. Em pouco tempo, essa repartição federal transformou-se num ninho de larápios. Muitas fortunas nordestinas formaram-se à custa do DNOCS, já extinto.
     A verdade é que as secas prolongadas continuaram açoitando minha valente terra, e os pais-déguas continuaram morrendo de fome e sede.
     Eu poderia até afirmar, que, se a transposição já me preocupa profundamente, muito mais preocupado eu fico ao saber que entre os gestores oficiais (não todos, claro) da faraônica obra estariam políticos "espertos" e, dizem, reconhecidamente políticos corruptos.
   Portanto, presidente nordestino Lula, cuidado com alguns dos seus "companheiro"; os antigos e os novatos que estarão à frente desse empreendimento milionário... 

     Não sei dizer se o Presidente da República terá fôlego e tempo suficientes para acompanhar de perto a obra de transposição das águas santas do São Francisco.
     Dom Flávio Luiz Cappio brigou sozinho. Na sua luta recebeu uma discreta e "conveniente" cobertura da chamada mídia de peso.
   Tivesse escolhido a praia de Copacabana ou o parque do Ibirapuera para, jejuando, lançar o seu grito de alerta e de indignação, e, certamente, a grande imprensa regional o teria feito, da noite pro dia, herói ou santo...  Jejuou numa modesta igrejinha, no distante sertão brasileiro.

     Por que prestigiar o bispo chorão? Se vingasse seu protesto, estariam os empresários e a poderosa imprensa derrotados.
     O bispo encerrou o seu santo jejum. E o fez em boa hora. O Velho Chico não quer o seu cadáver. Prefere-o vivinho, no seu humilde burel seráfico.
     Assim ele poderá, com suas  denúncias , evitar que as maracutaias se avolumem no desenrolar das obras de transposição.
     Seu sacrifício, temporário mais infinitamente significativo, a História já registrou; queiram ou não os que se julgam "donos" do Rio São Francisco. 


         
 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 21/12/2007
Reeditado em 01/10/2014
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