Páginas viradas

Fim de verão, ano 2010.

Local: Centro do Rio.

Cenário: mais uma livraria que se fecha.

Foi assim...

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Mais uma livraria se fecha no Centro do Rio. As prateleiras exibem um vazio triste, como se as histórias que ali habitaram tivessem se dissipado junto com o rumor das páginas viradas pelo vento. Eu, responsável pela área de informática da livraria, tive a missão de dar uma última dança às palavras impressas, de conseguir novos rumos aos volumes que restavam e que, por tanto tempo, foram os guardiões silenciosos dos segredos entre suas capas.

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Nunca fui um vendedor, essa é a verdade, no entanto, de alguma maneira, o destino me trouxe para trás do balcão daquela livraria agonizante. A primeira vez que me vi ali, senti-me como um intruso no santuário literário. Mas com o passar dos dias, descobri que essa loja, outrora cheia de compradores ávidos, agora tinha se tornado um ponto de encontro para os melancólicos, os românticos incuráveis e os sonhadores persistentes.

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Cada vez que um cliente entrava, eu o recebia com uma sinceridade que brotava do meu grande apreço pelas palavras escritas. "Bom dia, posso ajudar?" Eu estava longe de ser um vendedor experiente, mas era um mestre em compartilhar minha devoção pelos livros. Explorávamos juntos as prateleiras empoeiradas. E assim, aos poucos, comecei a perceber que não importava se eu tinha uma técnica de vendas convincente ou se sabia como enquadrar cada livro no contexto da literatura moderna. O que realmente importava era a paixão que eu transmitia, o brilho nos olhos quando mencionava clássicos eternos e a maneira como as palavras fluíam de mim quando eu falava sobre histórias que haviam me tocado profundamente.

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O verão chegava ao fim, mas algo novo parecia surgir naquela livraria decadente. Surgia a descoberta pelos verdadeiros amantes da literatura que se uniam para celebrar a beleza das palavras. As prateleiras podem ter se tornado mais vazias a cada dia, mas os corações daqueles que passaram por ali saíram mais cheios.

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Quando fechei as portas daquela livraria pela última vez, olhei para o passado com gratidão. Não por ter vendido livros nos últimos 17 dias, mas por ter compartilhado algo mais precioso por longos 17 anos: a conexão humana através das histórias. Ficou um pouco de mim ali, é verdade. Talvez essa livraria tenha fechado, mas as páginas que viramos, os suspiros que compartilhamos e as palavras que trocamos permanecerão vivos, ecoando em nós como as memórias de momentos que nunca desaparecerão.

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MMXXIII