DÚVIDA CRUEL

Um raro exemplo de como não se fazer o certo.

Antes do meio-dia ele chegou mansamente e entrou vagaroso sem nada falar com quem ali estava. Puxou um tamborete para perto de uma janela e nele se sentou. Ficou lá pensativo; olhando para o nada, ao tempo em que se mostrava distante de tudo e de todos como se ali estivesse só, como se ninguém lhe interessava e nem nada teria a dizer.

Pela janela ele parecia estar olhando fixamente para a linha do horizonte, a qual parecia ser o alvo da sua solitária e preocupante imaginação.

As pessoas que estavam no ambiente eram muito próximas daquele sujeito que ora surgiu repleto de estranhezas, e todos, reciprocamente, se entreolhavam preocupados sem nada entender daquela estúpida mudez e preferiram aguardar sem nada lhe perguntar.

As horas daquele dia quente foram passando vagarosas e tristes sem que o homem dissesse uma só palavra. Logo ele que, para animar seus camaradas de jogatinas e de bebedeiras, diariamente aparecia risonho e falante como um papagaio; contando suas piadas, causos e mais causos, mas agora nada tinha a dizer. Certamente todos os seus amigos do bar gostariam de lhe fazer apenas esta pergunta: - que houve Abdias? Mas era preferível aguardar que ele mesmo desenrolasse a língua e dissesse que coisa tão importante lhe atormentava.

A noite se aproximava e Abdias não se movia do lugar. Muitos dos seus camaradas que por ali estiveram durante todo o dia já haviam bebido, jogado sinuca, dominó, baralho, proseado, discutido e idos embora.

Juliano, o dono do bar, passa a se preocupar ainda mais com a conduta de Abdias que da janela olhava para as estrelas sem, sequer, lhe dar a mínima atenção. Ele parecia estar colado no tamborete.

Por fim chegou a hora de encerrar o expediente e trancar as portas do bar. Juliano vagarosamente se aproximou da janela e, com cautela e muita gentileza lhe pede licença para sair, pois é preciso fechar a casa. Mas para seu maior espanto Abdias abre a boca e com a voz trémula lhe diz:

- Juro Juliano! Juro que você é meu amigo. Não aguento mais. Pela última vez te peço: me dá uma cachaça!

Rapidamente ele vai para o balcão e derrama na boca um copo de aguardente que a faz descer veloz num só gole. Depois, tal qual um bebê, ele ininterruptamente chora.

Enxugando as lágrimas ele vira-se para Juliano e reclama que passou um dos dias mais tristes da vida e conclui dizendo que não tem mais para onde ir, pois Madalena, sua mulher, lhe proibiu de beber e ainda lhe prometeu que, caso bebesse, nunca mais pisasse na casa dela.

- A casa é minha – disse Abdias –. Ela é que tem que me aguentar ou sair de lá. Nem um filho aquela coisa me deu e eu tenho que suportar seu mal-estar. Ela nunca dá um sorriso. Parece uma estátua que anda e fala. Não sei o que fazer. Só sei que nós nos gostamos muito .

Depois de muita paciência ao ouvir falas e choros, Juliano resolveu intervir assim dizendo:

- Abdias, me escute! Primeiro se acalme e deixe de beber. O mais importante é deixar de beber, A melhor coisa do mundo é a família. Sua família é você e Madalena. Ela é sua amiga e companheira. Já os caras que frequentam aqui não são nada pra você. Onde eles estão agora? Já Madalena, com ou sem raiva, te espera.

Abdias ficou um tempo calado, olhando para os pés e de repente ele estira o braço e agradecendo o conselho de Juliano aperta-lhe a mão dizendo:

- Muito obrigado meu amigo! Agora tenho um bom amigo. Estou voltando para casa.

Madalena, reconhecendo que seu marido lhe foi fiel ao pedido, abriu-lhe a porta e calorosamente lhe dá um beijo entre abraços apertados.

José Pedreira da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 29/08/2023
Reeditado em 15/09/2023
Código do texto: T7873041
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