Quanto mais sozinho, mais blindado
Se tem uma coisa que eu havia aprendido bem antes da pandemia e o consequente isolamento social, é estar sozinha. E não, eu não moro sozinha, moro com esposo e dois filhos; mas vez por outra, eles se ausentam de casa e estando desempregada, é só eu, meu cãozinho, Deus e a solidão (hoje transmutada em solitude). Ainda bem que desde pequena alcancei essa independência emocional e comecei a escrever bem cedo(através de diários inicialmente) tendo a escrita como uma amiga e uma via terapêutica. Naquela época, meus pais trabalhavam fora e as crianças eram treinadas a ficarem sozinhas sem que isso configurasse como crime ou expusesse algum perigo. Então, sendo eu irmã mais velha entre dois meninos, incorporei a maternidade bem cedo. Aprendi a cozinhar com apenas 11 anos, sob vigilância do meu pai, pois minha mãe teve complicações de saúde muito sérias (antes e pós operatório), precisando ir para outra cidade fazer cirurgia e ficar sob os cuidados da minha vó. Era eu, meu pai, que às vezes se ausentava para ir trabalhar, e meus dois irmãos. No começo foi bem difícil tentar substituir os afazeres da minha mãe pelos meus, desajeitados pela idade imatura. Mas como meu saudoso pai dizia: " sapo pula, não por beleza, mas por necessidade." E comparando esses tempos em que as crianças amadureciam precocemente no quesito à responsabilidade, e não na sexualidade, como bem ocorre nos dias atuais, mesmo estando sozinhas em casa, corriam bem menos perigo do que hoje em dia, sob vigilância daqueles que deveriam oferecer proteção e cometem agressões físicas e sexuais, enquanto os pais confiam nestes falsos cuidadores, se ausentando de casa para irem atrás do " pão nosso de cada dia "; constato tristemente como os tempos mudaram e a violência e a maldade humana cresceram. Nem no Reino animal se vê tais atos; eu me pergunto: quem são os animais?... quem são as bestas feras raivosas e sedentas por sangue e outras coisas mais ( e más) atrás de suas presas?... sem querer lançar um olhar pessimista e romantizar o passado, vivendo em épocas tão diferenciadas, penso que vivemos dias sombrios, onde a nossa sensibilidade é testada todos os dias, com avalanches de fatos, acontecimentos e notícias trágicas que nos deixam cada vez mais fragilizados e abalados. Quando você acha que já viu de tudo, surge outro acontecimento ainda mais chocante. Estou numa fase bem antissocial; não porque eu queira, mas porque a vida foi me afastando de muitas coisas e pessoas depois que parei de trabalhar e vim morar afastada do centro da cidade, uma zona rural por assim dizer. Não reclamo, teve tempos em que não suportava mais a agitação das áreas urbanas, e tudo que eu mais desejava era paz e calmaria, silenciar tanto lixo sonoro, cessar os barulhos à minha volta... sair da multidão e ouvir a minha própria voz; parece que o universo escutou minhas preces. Alguns dizem que me tornei uma pessoa triste, amargurada, metida e tantos outros adjetivos descabidos ao meu momento atual; entretanto, eu simplesmente fiz morada dentro de mim, descobri meu próprio abrigo, fiz as pazes comigo e me apaixonei pelo amor próprio, me afastei dos burburinhos e daqueles que estão sempre "armados até os dentes" em busca de uma vítima para traçar seus planos malvados ou de um bode expiatório. Deixei de ser alvo e aceitei a condição de ser invisível. E ao aceitar tais condições, final(mente ) encontrei a paz. E isso não é só uma questão de escolha, mas de renúncias. Do que você seria capaz de renunciar para alcançar a paz de espírito?.
.. tá vendo?... não é culpa apenas do mundo, porque esse sempre será cheio de tribulações... mas você também tem parcela de culpa quando quer abraçar "o mundo todo" em detrimento do abandono interno. Abrigue-se!... ninguém será capaz de te dar total acolhimento, e se der, terá um preço. Num mundo em que as pessoas se tornaram interessadas e pouco
interessantes, usam umas às outras como fins para alcançar os meios, cada hora terá o " bobo da vez" , que não dá um basta de vez.