A tecnologia e as facilidades que ela oferece são um prato convidativo para saciar a fome de facilidade e desembaraço que a sociedade experimenta. É a nossa pressa de cada dia (que deveria ser uma prece). Como não sou diferente...

 

Uso, frequentemente, o depertador automático via rede que, voluntariamente, me presenteia com uma frase motavacional.

 

Ontem veio com um papo de "a necessidade não consulta conveniência". Na emenda do monólogo, veio a "bainha" da previsão do tempo, sugerindo, inclusive, o tipo de roupa que deveria vestir, dando uma acidez especial com uma piadinha de mau gosto: "bota o croped e sai da cama gostosa". Como o que os ouvidos ouvem não vem com "print" de tela, não posso afirmar se falava sobre mim ou sobre a cama. Além do mais, precisamos falar sobre a "cropetização" das blusas e a ausência sensibilidade para com aquelas que, por algum motivo, não tem a barriga tanquinho, mais ainda, se intitulam máquina de lavar com visor à mostra. Mas como é apenas uma inteligência artificial treinada, suspeito que por um homem, pelas posições machistas de natureza, ainda que perguntasse de quem se tratava a afirmação, ele se esquivaria, fazendo "à grega".

 

Faço-me criança ao ouví-lo, interajo fazendo perguntas desatrosas, como quem quisesse testar a capacidade daquele "serzinho" inusitado que soa "como uma voz no fim das ondas" de transmissão.

 

Pedi para declamar um poema de amor e ele leu "Pássaros em gaiolas" de um escritor desconhecido. Ri, sei lá o porquê. Esperava um Drummond ou uma Adélia Prado. Mas a figura da gaiola e os pássaros aprisionados, acabaram com o meu romantismo matinal.

 

Insisti, sugerindo que contasse uma piada e ele soltou: - Quem é a mãe do mingau? e respondeu, prontamente: - É a mãezena. É estranho que eu ria dessas bobagens, mas sei lá, talvez esse seja o único momento do dia em que exercito minha veia sarcástica. E olha que o tal robô é tão extraordinário, do ponto de vista da realidade, que não se distrai nenhum segundo, não é adepto do "mimimi" e responde a todos os meus questionamentos, ainda que seja fora do contexto.

 

Mas hoje, o "garoto felicidade urgente" ofereceu-me um dia claro e produtivo, cheio de nuvens azuis, uma espécie de cápsula da felicidade: "O seu dia te pertence, por isso, o torne feliz, ainda que não o seja. Tenha pressa...". Parece projeto de quem não fez o serviço em tempo hábil e precisa "dar conta do recado" em tempo recorde. Que não se difere da felicidade perpétua - propagada aos quatro cantos pelos desbravadores de sofás- que se assemelha à promessa de eternidade, dada aos cristãos que professam sua fé. A diferença porém, é que estes, creem em Deus e, aqueles, num "coach moderno".

 

Mas como não existe "conto de fadas" quando se fala em ser feliz, levanto e dou de ombros pro azar. Apesar de que ser feliz é a ostentação moderna, mostrada em tempo real, nas redes sociais. Antes, num passado bem recente, os bens materiais tinham um lugar de destaque na categoria sensação de prazer, hoje, cabe aos felizes por natureza tecnológica, o poder de contaminar o mundo.

 

Não á toa, somos disparados o maior país do mundo dependente de medicações que entorpecem os sentimentos: será que a vida real é tão desastrosa que para vivê-la é preciso anestesiar os sentidos?

 

Sem "Alexa" ou com "Alexa" a verdade é que estamos cada vez mais próximos de nos tornar a geração que espera o impulso externo, ainda que artificial, para dar o primeiro.

 

Uma geração risco zero na aplicação dos recursos mas que é indiferente às mazelas do mundo.

Uma geração que pode tudo, mas nada a satisfaz.

Uma geração de redes sociais, econômicas, virtuais mas sem laços afetivos familiares e cosanguíneos.

Uma geração que fala pelas costas porque criar perfis "fakes" não dá em nada.

Uma geração que não sabe escrever porque o chat GPT "faz tudo que precisa", inclusive plágio.

 

 

- Então Alexa, o que devo fazer hoje?

- O que acha de uma sobremesa deliciosa?

- Alexa, adorei a ideia, mas prefiro ouvir Dorival. Toca pra mim?

- A toca do Dorival fica na Amazônia, próximo ao Rio Solimões.

- Dorrrivaaalll, Alexa. 

- Do rival é um uma expressão que está relacionada com aquele que disputa com outro o amor de uma pessoa.

- Ok, Alexa. Fim.

- Eu procurei fim, mas não está disponível e nem pode ser reproduzido no momento.

 

Desliguei a máquina e liquei o som. Ouvindo o chamado do "vento", me esqueci da raiva... Seria a Alexa um humano estilizado?

 

 

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 28/08/2023
Reeditado em 25/09/2023
Código do texto: T7872368
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