A DOR DA FÉ (crônica)
É uma lição de vida ministrada por um grande amigo, padre de profissão, um bom goleiro de futebol amador e adorador do jogo de truco.
Eu o conheci através de um convite feito por um vizinho, há seis anos, para que se completasse o número de participantes num joguinho de futebol de salão. Confraternização entre amigos. Um deles me apresentou ao seu primo padre e psicólogo, com quarenta e nove anos de idade.
Vou chamá-lo de Mauro. Não revelo a sua verdadeira identidade, pois se encontra no Vaticano seguindo a sua vida missionária na equipe do atual Papa.
Sem muitos encontros e éramos amigos, e exímios criadores de piadas. Descrevo-o para gostarem do danado tanto como eu acabei gostando:
“O Padre Mauro, é aquela peça ímpar e, para brincar com ele, dizia-lhe que no tabuleiro do xadrez de Deus é um peão brincalhão e apaixonante figura. Mauro, ria da minha frase, de tudo e de todos.
Durante o jogo, a cada gol que fazíamos, ele escolhia um adversário para uma confissão, dizendo-lhe: ‘...eu sei o que você pensou assim que levou o gol e precisa então se confessar.’.
Quando levava um gol falava para a bola que iria depois benzê-la.
O bom de ser atleta amador é que precisamos nos preocupar com nada. Perde-se gordura, faz-se exercício e para comemorar fazemos um churrasco com boa cerveja. O sacerdote nos dizia que estava de olho no primeiro que pecasse com a gula, mas de olho no jogo de truco que aconteceria.
Durante a cartada, ele não falava palavrão, mas gritava como um pecador infernizando todos os perdedores. Fazia, no entanto, uma cara de autoridade para evitar que fosse escorraçado com o mesmo veneno.
Assim que a noite chegava, e quando estávamos todos na saideira de tudo, era a sua vez de, com uma facilidade de um verdadeiro mestre, não perder nunca a oportunidade de dar bons conselhos e interessantes lições. Numa dessas lições, ele nos orientou:
— Tudo na vida o que vale é a Fé. A Fé é uma parte do Divino nos dizendo que tudo pode ser conseguido; alcançado.
Mauro nos dizia que, até na vida ordinária, cada ação realizada só ocorre baseada em nossa fé, na força que empregamos para usá-la. Deu um exemplo que me fez meditar pela vida a fora: ‘Até para colocar prego numa madeira empregamos a nossa fé. Com ela nunca nos tornamos homens maus, evitando os males maiores, sendo sempre pessoas exemplares e educadas.’.
Um dia, ele se despediu e foi para a Europa ensinar truco.
Passados alguns anos eu me lembrei da preciosa lição:
— Tinha como observador o meu netinho Jonathan. Resolvi consertar o seu carrinho de madeira que de tanto gostava. Eu ajeitei o brinquedo sabendo previamente que colocaria quatro pregos. Um deles maior que os outros. Com os menores colocados com a repetência de três pancadas sucessivas com o martelo, na vez do prego maior lembrei-me da lição do amigo Mauro. E decidi: Por que não usar da minha Fé para realizar com um único golpe a missão de pregar? Assim eu fiz: Até com a atenção redobrada eu segurei o prego firmemente e, centrado na força que considerei suficiente, apliquei com gosto e fé a tal Fé tão sagrada. Estava pronto para continuar sendo um exemplo de um bom artífice ao neto, além de permanecer um homem educado.
Aconteceu que...
— A fé eu tive até demais na força, mas descobri que precisava burilar a da visão certeira ao objeto. É aí que me lembro que estava diante de um dedo amassado, violentado e ainda sem ponto cirúrgico.
Pois...
Que sonora pancada!
O dedão instantaneamente parecia um balão sendo inflado, lentamente, enquanto a unha se enfeitava com um esmalte preto e de um crescente roxo se esborrifando, além, na pele, também. Era um janeiro e, com certeza, a unha ficaria assim enfeitada até o carnaval.
Dos meus olhos pingaram dois tipos de lágrimas; no direito as lágrimas eram doces acompanhando o olhar piedoso do netinho querendo dar a maior força pelo meu momento enfrentado e, no esquerdo, eram salgadas de dor insuportável.
Prontamente, lembrei-me do ensinamento do Padre Mauro que é: a “Fé bem aplicada nos deixa bons e educados.”.
Por estar diante do netinho decidi pela lição. Apenas eu levantei o olhar ao Divino balbuciando educadamente:
— Poxa, meu Deus! ‘hojeee eu estouuu sem sorrrrte’! Além de assoprar o dedo, foi apenas essa a minha atitude.
Nenhum palavrão... Nenhuma blasfêmia...
Fui um homem educado com lágrimas nos olhos...
Acreditem se quiserem. Eu juro!
Ora! aqueles que não acreditam que considerem, então, mais uma piada minha e do amigo sacerdote.