Fome de esperança

Foi assim...

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Era um dia de semana, talvez quarta ou quinta, embora a precisão dos dias já não fosse tão importante para nós. A rotina era marcada mais pelas incertezas do que pelas convenções do calendário. Meu pai, esgotado pelo peso da busca incessante por trabalho, saía de casa antes do sol nascer. A esperança de encontrar algum bico, algum serviço temporário que trouxesse algum dinheiro para o nosso modesto lar, era a força que o impulsionava a enfrentar cada amanhecer.

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Minha mãe, a âncora emocional da família, fazia milagres com o pouco que tínhamos. O arroz, fiel companheiro de todas as refeições, era o ingrediente principal em nossa mesa. Mas o que transformava aqueles grãos simples em um almoço era o molho de tomatinhos frescos que ela colhia do pequeno quintal nos fundos da casa. A simplicidade daquele molho escondia o amor e a dedicação de uma mãe que se esforçava para não deixar a tristeza se abater sobre nós.

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Naquela tarde em especial, a escassez parecia mais cruel do que nunca. O café tinha se esgotado e o pão estava ausente. Minha mãe, apesar da baixa estatura e do aspecto frágil, mostrava-se forte e resignada, fechava os olhos e com as mãos unidas, clamava por um milagre silencioso, um gesto de compaixão divina que afastasse a fome de nossas vidas.

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E então, como se os ventos da generosidade soprassem por entre as ruas empoeiradas daquele lugar humilde, o inesperado aconteceu. Um vizinho, cujo retorno de uma viagem tinha sido marcado por um contratempo nas chaves da própria casa, cruzou o nosso caminho naquele dia. Enquanto esperava por alguém que pudesse abrir sua porta, ele foi até a nossa casa e fez a simples pergunta que mudaria nossa jornada: "Vocês têm um pouco de café?"

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A resposta de minha mãe foi uma dolorosa negação. No entanto, a bondade e a solidariedade daquele homem foram como um bálsamo para nossos corações aflitos. Ele se dirigiu à padaria e regressou não apenas com café, mas com uma cesta de provisões que parecia ter saído de um sonho. Pão fresco, manteiga, leite e até arroz e feijão, como se o universo conspirasse para nos lembrar de que, apesar das dificuldades, nunca estávamos sozinhos.

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Minha mãe, emocionada e grata, caiu de joelhos no chão gasto da cozinha. Suas lágrimas eram uma mistura de alívio e alegria, uma resposta ao seu pedido silencioso que ecoava além das palavras. Ela ergueu os olhos úmidos para o céu e agradeceu, não apenas ao vizinho generoso, mas à força que move o mundo e que, naquele dia, decidiu olhar para nós com compaixão.

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A partir desse dia, a nossa luta continuou, mas agora era temperada com uma dose renovada de esperança. A lembrança daquele gesto de solidariedade nos lembrava que, mesmo nas circunstâncias mais difíceis, há sempre uma oportunidade para a luz penetrar. E a simples refeição que compartilhamos com o vizinho naquela tarde transformou-se em um banquete de gratidão que nos sustentaria pelos dias vindouros, nutrindo não apenas nossos corpos, mas também nossas almas famintas por esperança.

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MMXXIII