COM CISÃO
COM CISÃO
Um dos grandes inimigos de um texto é quando peca pelo excesso de palavras, quando é palavroso, prolixo, enche linguiça, torna-se redundante, verborrágico, obscurece a linguagem. Se a falta de assunto já foi até mote de crônicas, penso que a ansiedade por dizer também prejudica a comunicação – não só em redações, inclui nossos relacionamentos interpessoais.
Por isso é necessário selecionar as palavras, a fim de que se revele o essencial. Se Graciliano Ramos, em “Linhas tortas”, recomenda enxugar as palavras como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício... torcendo o pano, uma, duas vezes, até não restar uma única gota, nós poderíamos almejar tal quais as trabalhadoras buscar a limpeza do dito sob o risco de não deixar que o silêncio seja melhor.
A concisão não pode ser confundida com a superficialidade. Vejam o que diz William Strunk Jr, em seu livro The Elements of Style: “A escrita vigorosa é concisa. Uma frase não deve conter palavras desnecessárias assim como um parágrafo não deve conter frases desnecessárias, pela mesma razão que uma pintura não deve ter linhas desnecessárias e uma máquina não deve ter peças desnecessárias. Isso não significa que o escritor deva apenas criar frases curtas, evitar todos os detalhes ou tratar dos assuntos superficialmente, mas significa que cada palavra deve dizer algo”.
E cada palavra tem seu peso, como batida sobre o bumbo, carregada de personalidade, num cruzamento verbal entre locutor e interlocutor. Este recebe o verbete dotado de um significado, que, por sua vez, foi entregue por aquele com outra acepção. Quão delicado é comunicar, tão difícil dizer, mesmo quando se tem muito a falar. E nessa trama se ensaia um poderoso drama, como no provérbio africano: "Quando as teias da aranha se juntam, elas podem amarrar um leão”. Quando as palavras se reúnem, elas podem matar um timão. E podem ressuscitar uma nação...
Vejam outro ponto de embate: Saint Exupéry considerava que suas obras estavam prontas – não quando não havia mais nada a acrescentar, mas quando não havia mais o que retirar. Esse é um exercício que devíamos fazer. Costumam nos lembrar que a natureza nos ofertou duas orelhas e uma boca para que pudéssemos mais ouvir do que falar. “Quem muito fala muito erra” – diz o ditado. E talvez estejamos nos escondendo no campo minado das palavras, impedindo-nos de chegar a nós mesmos. Por isso nos repetimos, saqueamos a reserva, esgotamos o assunto e nos esgotamos. De tanto enfatizar, infartamos. E temos que dizer obviedades, buscar sinônimos para, quem sabe, surgir uma simbiose.
Em tempos de redes sociais na tela dos nossos celulares, a verborragia ganha a cena num quadro mais caótico que a Guernica do Picasso. Não há nem tempo para refletir, processar tantas informações em meio ao vazio eco que se prolonga noite adentro – num circuito fechado que tem nos levado a um curto (e prolongado) mal-estar da incivilização. Um amigo me diz doutro modo que as figurinhas fazem sucesso por isso. Não entendeu, então melhor desenhar. Mas o desenho também pode ser mal interpretado, hein? Tem gente assimilando os emojis como uma prova de amor, ou a “curtida” como real validação. Uma pessoa entra na rede social de outra e lança o “coraçãozinho” em diversas publicações doutro indivíduo e acha que isso é cantada. Ah, por favor, vá escrever por linhas tortas que fica mais certo, né? Quer colocar o bloco na rua, então não fica detrás das cortinas, sobe no palco.
Concisão não precisar ser com tanta cisão assim. Comunicar exige coragem. O que se passa é o medo de dizer, de afirmar, de se responsabilizar e de se comprometer a tal maneira que, porque antes não soube fazê-lo, agora será obrigado a calar. Então, notamos que estão muitos se escondendo na Torre de Babel contemporânea. Melhor não se fazer entendido? Creio que o mais apropriado é aprender com o poeta José Paulo Paes: conciso/ com siso/ prolixo?/ pro lixo.
Leo Barbosa é professor, poeta, escritor e revisor de textos.
(Texto publicado em A União em 25/08/2023)