IMAGENS DA INFÂNCIA

 

O nosso crescimento é um processo amplo, contínuo, físico, psicológico e emocional. Fatos passados na infância são responsáveis pela nossa capacidade de aprender, de compreender ou de apreender com segurança e com clareza.

Vovó Amália, embora fosse superexigente, ouvia-nos atenta, dava-nos respostas, consolava-nos diante de aflições e temores, respeitava e procurava entender os nossos sentimentos. Dizia-nos que não sabia contar histórias de Contos de Fadas, mas relatava-nos suas vivências de menina e de adolescente com fascínio e encantava a todos nós; além de cantar belamente.

Era Vovó, mãe e esposa extremamente companheira e dedicada; uma presença determinada e enriquecedora. Quanto maior o tempo passado em sua companhia e de Vovô Ramón, maior o vínculo de admiração e carinho. Vovô - amor, brincadeiras, passeios, caramelos; Vovó - atenção, ensinamentos, limites, formação.

Numa de nossas férias de verão, tentou ensinar-nos a costurar, a bordar, a cozinhar, a fazer tricô e crochê. A maioria assimilou os ensinamentos; exceto eu que, a cada agulhada que dava, era uma espetada em qualquer lugar, menos no tecido.

Enquanto minhas primas empenhavam-se nas novas tarefas, eu ficava atenta às histórias que vovô contava aos meus primos e me permitia viajar nessas. Como lamentava não ser menino para poder estar no outro grupo!

Meus trabalhos não progrediam. O blusão de tricô, de tão apertado o ponto, não cedia; o barrado de crochê adquiriu nova forma, uma espécie de losango; as costuras, medi-as com réguas e não com trenas; os bordados, embora um pouco mais apresentáveis, deixavam-me com os dedos completamente furados e cheia de dores; a arte de cozinhar, detestava-a. Um horror! Tal fracasso não me entristecia; ao contrário, transformava-se em tempo para eu acompanhar relatos das aventuras de meu avô e de seus amigos. Tinha sabor de caramelo pego às escondidas.

Ainda que criança, sentia que havia maior afinidade de meus gostos e de minhas ideias com meu avô; no entanto, como menina, o meu modelo deveria ser minha avó.

Quando meu pai faleceu, em 1996, mexendo nas gavetas onde guardava papéis importantes, encontrei dois envelopes amarelecidos pelo tempo com registros pessoais e vários poemas de Vovó Amália. Alguns falavam de momentos alegres; outros, de perdas. Encantadores!

Enquanto os lia, milhares de pensamentos vinham a minha mente. Senti-me encorajada e confiante a tirar do fundo de uma caixa poemas escritos na minha adolescência e na fase de minha separação.  Reli-os e, depois de alguns meses, queimei a todos.

Em 19 de agosto de 1995, dia e mês do nascimento de vovó, coincidência ou não, recomecei a escrever e, no mesmo dia, enviei os textos para um Concurso Literário Internacional de Poesias e Contos, na Itália. Dessa experiência, resultou a classificação de 1º lugar, com o conto “As Aventuras de um Ferroviário”.           

Aos primeiros sucessos, a realização pessoal e a descoberta de que herdei de Vovó, o maior dom de um ser humano: o gosto pela poesia e pela música.

Ilda Maria Costa Brasil
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 24/08/2023
Código do texto: T7869455
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