A magia da feira, a gente-biblioteca e casablanca
É sábado, as palavras cortam de um lado pro outro, berimbaus se afinam, me alinho dentro da roda, sinto o vôo, o susto, a chuva lavar um pouco as cores.Me dão um pandeiro, que pego meio sem jeito, um amigo desconhecido.
A feira se expande: Tomates, melancias, acerolas e sei lá mais o que. Um passar e voltar. E ali no meio, nós, como que brotando no meio do mundo. Naquele lugar se fazia valer o provérbio Suassunês:
"em redor de barraco, tudo é feira".
Acertar os tempos foi difícil, mas logo a gente se entendeu. Quando o erro me alcançava, era só chamar o próprio silêncio, ouvir, parar e escutar. Procurar o agogô e o reco-reco, que o som se endireitava, dava as mãos. Eu estava meio na fuga de jogar, receoso. Primeira roda, e a primeira é sempre a primeira. Nunca há uma segunda primeira vez.
Um professor me olha, ele tem um jogo brincado, afiado, sagaz, já tinha o visto algumas rodadas antes. Me olha e diz sorrindo" Bora brincar um pouquinho?" Sorrio de volta. Impossível recusar. Joguei mais umas duas vezes. No fim meu corpo vibrava e parecia querer sair do chão.
É engraçado isso, na capoeira essa magia fica um pouco mais a vista, palpável: Viver, assim como dançar, é se encontrar no outro. Encontrar na soma, não no que se toma e leva embora. Tava precisando disso. De me entregar sem me perder.
Volto pra casa, penso sobre a beleza das estórias, o dia de hoje foi de muita escuta, muitas estórias, cheio do que eu chamo de "gente-biblioteca". Mais do que o saber acadêmico, a gente-biblioteca tem o saber dos dias. Isso é ouro.
Hoje já é terça, A semana correu um pouco e isso não sai da cabeça. Elas, as narrativas, não importa o que aconteça, nem quanto me doam as dores, continuam povoando meu céu. Me sequestrando do mundo e fazendo ser brilho.
Sejam as água com açúcar, uma água com açúcar muito bem feita, tipo Casablanca, de mocinho e mocinha, triângulo amoroso, queixos e narizes pré-fabricados, amores ardentes ( eu ri e suspirei foi muito com Ingrid Bergman e Humphrey Bogart) ou até a que me conta a senhorinha no meio do corredor.
Falou de um amor de forró, um amor que dançava e cheirava tão bem que só Jesus na causa. Vou pra casa sorrindo pelos olhos, me lembrando de um texto de Agualusa. Em certa ocasião ele diz esbarrar sem querer num desconhecido que, bravo, fala:
- Você sabe quem eu sou?
O escritor falou que o pisão no pé do homem foi quase como um xingamento, o homem o olhou em fúria, mas que mesmo assim Agualusa alimentou a conversa, quis saber. Nas palavras dele, (e acho eu, como é próprio de quem escreve ) "tenho um fraco por desconhecidos."
Eu vou além, concordo com o camarada, devo ter isso também, mas tenho um medo proporcional também do conhecido que se desconhece, que se esquece. Daquilo que se amorna e vira lava endurecida.
Escutem seus pares,
ouçam com carinho.
Se encontrem no outro
E se ele ou ela tiver que tomar um avião sem fim até Lisboa, aí não tem jeito, só resta lembrar que sempre se terá Paris, Natal, ou qualquer que seja o rincão de terra.
Um lugar intocado na nossa imaginação.