ARGENTINA
É HORA DE CHORAR PELA ARGENTINA
Nelson Marzullo Tangerini
Soube, através de um jornal brasileiro de grande circulação, que um dos filhos do capitão foi à Argentina para demonstrar seu apoio a um candidato presidencial de extrema-direita, nos moldes de seu pai. Ao lado do futuro ditador, o rapaz fazia arminha com a mão, símbolo do “fascismo à brasileira”.
Os argentinos passaram pela pior ditadura da América do Sul, ditadura esta que dizimou inúmeros opositores, além de roubar crianças, que, afastadas de seus pais, assassinados, foram adotados por famílias de militares.
O filho do capitão, que provavelmente pensa como o pai, que disse, certa vez, que quem “gosta de osso é cachorro”, demonstra, assim, com este ato, que não tem o menor respeito pelas Mães e pelas Avós da Praça de Maio, que, durante anos, procuraram seus filhos e, respectivamente, seus netos.
Em recente entrevista ao jornal O Globo, o escritor turco Orham Pamuk, Prêmio Nobel de Literatura em 2006, nos diz que muitos filhos de pais de esquerda são conservadores e de direita. Filho de pai libertário, Pamuk, que reconhece o holocausto armeno, nos traz, além de tudo, um retrato nebuloso do autoritarismo na Turquia de Recep Tayyip Erdoğan.
O crescimento da extrema-direita na Europa e nas Américas aumenta as nossas preocupações sobre o que poderá acontecer nos próximos anos, como o crescimento do fundamentalismo (cristão e muçulmano) e o ódio a outras etnias que desejam reivindicar sua existência e a existência de suas culturas.
É possível ouvir em qualquer esquina do Brasil, por exemplo, que a “petralhada” devia ser fuzilada. E não são poucos os que defendem abertamente o autoritarismo e essa maligna doutrina do ódio. O que mais me assusta, porém, é que a defesa do autoritarismo vem de jovens (muitos são neonazistas), que, daqui a alguns anos, estarão governando o país. Não obstante, o capitão declarou (creio que em 2019) que, no seu governo, as minorias ou se “enquadravam” ou iam desaparecer, o que está claro que o genocídio estaria por vir. E veio, com a tentativa de exterminar o povo Ianomami.
Em sala de aula ou na rua, já fui chamado de “velho”. Mas o que pensar de um “velho”, que, perto dos 70 anos, se mantém libertário, enquanto alguns jovens saem em defesa da extrema-direita e do conservadorismo?
Conviver com Diamantino Augusto Velho, que excluiu o “Velho” de seu sobrenome, por sempre se achar com a mente jovem, me fez reforçar a minha alma libertária. O “velho” anarquista, que faleceu aos 96 anos, depois de fugir de Portugal em 1914, para não pegar em armas e, depois, fugir de São Paulo, em 1917, quando as forças da repressão, que defendiam os interesses da burguesia e perseguia os libertários, plantou em minha alma a semente da liberdade plena. Em sua casa, no Encantado ou em Quintino, subúrbio do Rio, conversávamos sobre Bakunin, Kropotkin, Emma Goldman, Luce Fabri, Saco & Vanzetti, José Oiticica, Neno Vasco, Proudhon, entre tantos outros, enquanto tomávamos o café da manhã ou da tarde.
Enfim, o “velho” Diamantino nunca escreveu um livro. Apenas demonstrava todo o seu conhecimento e seu amor pela liberdade, que renova os homens, ainda que “velhos”.
Pensar que o povo argentino pode eleger um presidente tresloucado e de extrema-direita, deixa toda a América Latina de cabelo em pé. Os pais de esquerda e libertários argentinos tiveram filhos que optam, hoje, por seguir a cartilha dos fascistas?
A entrevista de Orhan Pamuk ao jornal O Globo nos deixa preocupados e mostra que o mundo caminha para o atraso. E que ainda estamos longe do Super Homem. É lenta a evolução intelectual da humanidade.