Crônica de domingo

 

É 20 de agosto de 2023, são oito e meia da noite e fazem 17 graus conforme o relógio digital público perto do banco. Quase tudo fechado. Supermercados, comércio, prefeitura, câmara de vereadores, fórum, bancos, escritórios, consultórios. As casas estão silenciosas, as pessoas se preparam para a segunda-feira. A cidade parece uma pintura de Edward Hopper (imagem acima). Sinto uma leve insatisfação no ar, por certo mero hábito de insatisfação, pois a segunda, para mim, já é um dia como outro qualquer há décadas, por plantonista. Capto a sutil insatisfação dos que trabalharão no dia seguinte e ela imanta meu ser? Sei lá. Ser e estar na cidade à noite, caminhando pelas ruas num dia relativamente quente de inverno.

 

Quando trabalhava de expediente nunca gostei das segundas e sua cara de faina. Sexta-feira era o dia preferido, ao final da tarde, com todas as expectativas para o sábado. "A vida pra uns é ideal; pra outros, desespero", dizia seu Cecílio Rocha. Uns trabalham para sobreviver, insatisfação, outros o trabalho é a sua vida, plenitude. Sempre fui dos do meio-termo, nem fardo, tampouco alegria. Satisfeito, tão somente. De boa e na boa, sempre, agradecido por tudo. Valeu, colegas!

 

Ontem estiquei e neste domingo acordei mais tarde, bem mais tarde, quase na hora de ir pra casa dos parentes almoçar. Uma caminhada pela vila e encontramos velhos conhecidos, que convidam-nos para entrar, oferecem vinho e aperitivos recém saídos do espeto. Gente boa, estão felizes, nos tratam muito bem. Coisa boa ser bem tratado e considerado. No almoço, fuzarca com as crianças e conversa com os jovens e adultos, todos do mesmo sangue. Às dezesseis horas, ir de bicicleta emprestada no Consulado ver jogo do Grêmio, encontrar os parceiros de paixão, conversar e tomar cerveja.

 

Após a janta frugal, caminhar para casa, observar a cidade, o que estimula a pensar sobre o que escrever. Vir lá das bandas de trás do Desco e seguir pela Silmar Berbigier, rumo ao Centro. E daí surgem o silêncio e a tênue insatisfação do primeiro parágrafo. Ruas vazias, um carro lá que outro. Atravessando a faixa, um pouco de gente no Manus. Seguindo, outro pouco numa igreja evangélica. Somente os depósitos de bebidas abertos, os bares, a sorveteria, os restaurantes, os postos e as farmácias. Perto da rótula, passa um Vitória para São Jerônimo. Será que vai até Câmara? Charqueadas começou sua vida noturna na margem do rio, passou para o Centro em frente ao Tiradentes e agora está junto ao Parcão, na entrada da cidade, afastando-se do Jacuí, nadando contra a corrente destes tempos secos e sombrios, onde a água que falta na Europa se torna preciosa e cobiçada. Uma cidade e seu movimento urbano através do tempo, que já levou tanta coisa e tanta gente embora. Não são insubstituíveis, mas fazem falta para quem lhes tinha como caros.

 

Charqueadas não é longe demais das capitais, é pertinho da capital, mais perto do Centro de PoA do que a Restinga indo de busão. A gurizada vai pra orla portoalegrense de dia e depois volta e fica pelo Parcão e seus barzinhos, por esse horário e esticando para além. Os casais com família vão pro Parcão pela tarde, com a crianças e os bichos.

 

Chego em casa e vou escrever esta crônica de domingo para publicar na segunda-feira. Ponto final e cama.

 

Uma boa semana para todos. Cuidem-se, vacinem-se, vivam e fiquem com Deus.