🔵 Só sei que nada sei
Ganhei dois livros: Sócrates e Santo Agostinho. Os brindes, adquiridos numa assinatura de jornal, mesmo não lidos, poderiam abrilhantar minha incipiente e pouco admirável coleção. Acreditei que somente exibindo os títulos, eu herdaria todos os benefícios por ostentá-los. Não sei se por ingenuidade, descrença na inteligência humana ou preguiça, acreditei que, sem a leitura, apenas expondo, causaria uma boa impressão: filósofo e teólogo.
Pronto. No Orkut, não precisaria citar Clarice Lispector e Fernando Pessoa; por um atalho literário, ou trapaça, eu estava num patamar superior, arrogantemente reservado aos intelectuais. Na verdade, eu contribuía para que o Paulo Coelho continuasse sendo um dos escritores mais lidos do mundo e lia biografias rasteiras e eivadas de fofocas sensacionalistas, dignas de pautar um telebarraco vespertino.
Entretanto, eu estava colhendo os benefícios de enfeitar a minha estante, por isso, aquela farsa nunca poderia ser descoberta. Portanto, enquanto esperassem de mim uma observação comparável ao filósofo grego e não ao ex-jogador do Corinthians, eu continuaria amealhando os frutos dos dois volumes intactos.
Por curiosidade, venci o temor intelectual de me arriscar nas letras e folheei os livros de minha incompleta coleção. A surpresa foi superada pela curiosidade de adiantar o veredicto do julgamento de Sócrates e decorar umas frases de efeito do cristão. Decorando isso, eu provavelmente impressionaria quem ousasse me testar, além de garantir que aquela palhaçada durasse mais alguns anos.
No entanto, observei que outros faziam até pior: cenários de bibliotecas falsas. Assim, perdi a vergonha de exibir meus livrinhos trocados por cupons recortados de jornais. Mais, num gesto ambicioso, eu franqueava o empréstimo, portanto poderia sofrer o escrutínio e ser instado a discorrer os meus conhecimentos acerca dos pensadores históricos.
Depois de muito tempo, me tornei íntimo dos livros, apesar de praticamente intocados. Sempre ostentando os títulos, eu havia decorado o teor de cada volume, de modo que eu já me comportava como quem lia coisas do nível dum Sócrates ou Santo Agostinho.