O VAZIO DA MÁQUINA
(título roubado do livro de André Cancian, livro que não tem muito a ver com esse texto, mas que li e recomendo muito)
Acho que, por ter lido livros como Anna Karenina, Guerra e Paz e Em busca do tempo perdido e visto séries como The Bridgerton, mais de uma vez me peguei pensando no vazio das pessoas, no exibicionismo absurdo dos títulos de nobreza, na falsidade e futilidade das relações sociais que vi e li nessas obras e comparando com a realidade que a história nos mostra a respeito daquelas e de outras épocas antigas, ou nem tão antigas assim.
Épocas antigas são tantas vezes romantizadas em livros, filmes, séries, textos e comentários! Talvez com algumas dessas obras mais superficiais e menos críticas em mente do que com um mínimo de conhecimento histórico, muitas pessoas usam uma espécie de “saudosismo do imaginário” para tecer críticas a aspectos relacionados aos “dias de hoje”, e à “sociedade atual”.
Principalmente nas redes sociais, é visível que as pessoas que fazem tais críticas, e muitas que as leem, julgam válido o uso desse tipo de saudosismo falsificado como justificativa e comprovação da “verdade” e “profundidade” de suas críticas, que se tornariam muito pertinentes, corretas e graves.
Tais críticas em geral destacam que houve um crescimento terrivelmente anormal e danoso – e até o surgimento - de “relações danosas e erradas”, “juventude perdida” e outras “falhas” que chegaram até nós com o tempo, os avanços tecnológicos e, segundo muitas pessoas, os “retrocessos morais” que temos agora.
Pensando no que li (e em certa medida no que vi e vivi) a respeito “daqueles tempos saudosos”, acho muito difícil concordar com a imensa maioria das análises, levantamentos, críticas e repúdios aos “dias de hoje” que encontro por aí.
O que sempre vejo é uma mistura de memória seletiva que nem mesmo parece ser involuntária com o apagamento nada honesto de aspectos negativos, e até mesmo terríveis, dessa “saudosa” época ideal invocada.
O mais grave, para mim, é o cuidado com que tantas pessoas que viveram ou estudaram os “tempos antigos” que estão romantizando ignoram aspectos negativos e diferenças de todo tipo, fazendo uma seleção e um recorte para listar “maravilhas” inexistentes ou presentes apenas em alguma medida e em uma parte muito pequena de um grupo bastante restrito.
Um exemplo é a “infância livre e feliz” das crianças brancas do sexo masculino das famílias bem estruturadas das classes médias altas nas cidades dos países mais ricos ou “em desenvolvimento”; outro exemplo são as “possibilidades de ascensão social” existentes para os homens brancos das famílias bem estruturadas das classes médias altas com acesso à educação de qualidade nas cidades dos países mais ricos ou “em desenvolvimento”.
Chego a me sentir muito triste ao ver tanta gente propagando, e tanta gente acreditando e reproduzindo, essa mentira tão óbvia de que realmente existiu um tempo em que as pessoas eram felizes porque não havia celular, computador, televisão, feminismo, greve, luta por direitos, paradas LGBTQIA+, ECA... entre outros “vilões” da nossa “pobre” modernidade.