🔵 Seu Daniel na cova dos leões
A rua Barão de Itapetininga era o “Lollapalooza” dos desempregados. Desempregados que distribuíam “xerox” de currículos mal redigidos, coalhados de eufemismos para turbinar os cargos pregressos e tergiversações para atenuar as demissões, bem como platitudes e cursos mal cumpridos
De prédio em prédio, pelas agências escondidas em salinhas com uma mesa e um telefone, eu desanimei ao encontrar uma recepcionista lixando as unhas, equilibrando o telefone entre a orelha e o ombro e trocando confidências sobre a balada. Acredito que meu currículo virou rascunho.
Procurando trabalho, precisando de alguns reais, fui parar na Secretaria do Curso de Direito da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), recomendado por uma agência de empregos. Embora recém-contratado, cheguei com a responsabilidade de substituir um funcionário ladrão.
Na primeira noite de trabalho na Secretaria de Direito, conheci o “Senhor Daniel”, que seria meu colega de setor. Meu ímpeto jovem contrastaria o ritmo mais lento daquele veterano. Talvez, mais que os atestados, os requerimentos, os protocolos e as reclamações, meu maior desafio fosse o choque de gerações.
Entretanto, houve um acordo tácito, respeitando o momento que um ou outro “sumia” (por motivos diferentes). Solto naquele “campus”, eu acreditava que podia passar como mais um aluno, porém o ridículo uniforme me discriminava como um funcionário daquela instituição de ensino. Além de me identificar como um provável inimigo, o uniformezinho me fazia parecer um guardinha mirim municipal.
Como a secretaria fechava logo após o intervalo, eu sempre ficava conversando com alguém. Às vezes, conversando com aquele senhor, que sabia lidar com os alunos mais folgados, eu fui aprendendo a conversar e contornar situações complicadas. Troquei meu juvenil ímpeto destemido por um comportamento cínico e burocrático, como um caricato funcionário de repartição pública.
Acredito, o freio social que adquiri deve ter sido muito mais importante que os cobres que consegui arrecadar. Pelo menos, é o que dura até hoje.