ACORDANDO

UM DIA - ACORDANDO FELIZ

j.torquato de 1955 para 2023

SENTIR O CHEIRO DA FUMAÇA DO FOGÃO DE CARVÃO SENDO ACESO NA COZINHA, OLHANDO O TELHADO DE TELHAS DE CERÂMICAS ENEGRECIDAS, ME VIRO PARA OLHAR A CAPELINHA ONDE ABRIGAVA NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS, SÃO JOSÉ, SANTA TEREZINHA UM CATECISMO BRANCO DOURADO E UM TERÇO A ATRAVESSAR SUA CAPA.

NO CHÃO OS TAMANCOS ESTAVAM EM ORDEM MILITAR.

JUNTO COM O CHEIRO DE CAFÉ TORRADO, VINHA A IMAGEM DO PENICO CHEIO DE URINAS NOTURNAS. E UM PEDAÇO DO MOSQUITEIRO AZUL CLARO QUE SE ARRASTAVA PELO CHÃO DE TIJOLOS BATIDOS.

NA SALETA ANTES DA COZINHA PROPRIAMENTE DITA, MINHA AVÓ LINDA E SERENA, SOPRAVA A BRASA DO FERRO DE ENGOMAR, PARA PASSAR MINHA FARDA DO GRUPO ESCOLAR. NA MESA DA COZINHA DE MADEIRA PRETA, ESTAVA JÁ MEU CAFÉ O BULE, A JARRA DE LEITE COM NATA, A GARRAFA DE MANTEIGA, UM PRATO COM BATATA DOCE, INHAME E MACAXEIRA FUMAÇANDO, AO LADO UMA TRAVESSA COM CARNE DE SOL ASSADA, TAMBÉM FUMAÇANDO. E UM GRITO.

VÁ ESCOVAR OS DENTES PRIMEIRO

PEGUEI MINHA BUCHA E A PASTA SIGNAL “HEXACLOROFENO NAS LISTAS VERMELHAS” PUS NA BOCA E LEVEI A BUCHA ESFREGANDO OS MEUS ALVOS DENTES.

ME MELEI TODO E RESOLVI TOMAR UM BANHO. PEGUEI A CUIA METI DENTRO DO TANQUE DA ÁGUA DO BANHEIRO E ME MOLHEI, PASSEI EUCALOL NO CORPO E DEPOIS DE MAIS DUAS CUIAS, ESTAVA PRONTO PARA REFEIÇÃO MATUTINA.

OS TAMANCOS ESCORREGAVAM POR MOLHADOS, ESTAREM. DEPOIS DE ME ALIMENTAR PEGUEI OS SUSPENSÓRIOS, MINHAS CALÇAS CURTAS AZUL MARINHO DE BRIM E MINHA CAMISA DE MURIM COM ALGUNS REMENDOS EM FORMA DE QUADRADO, APARECENDO A ALTURA DO BOLSO. NO QUINTAL MEU AVO LIMPAVA A GAIOLA DOS PASSARINHOS ANTES DE IR PARA A BANCA DE SAPATEIRO DIÁRIA.

CAMINHANDO SOBRE OS TRILHOS DA MARIA FUMAÇA, CHUPANDO UM PIRULITO DE AÇÚCAR QUEIMADO, CANTANDO BAT MASTERSON, COM A BOLSA DE COURO DOBRADA EM DUAS PELA METADE, CHEIA DE CADERNOS AVANTE BRASIL, CARTILHA DE CALCULAR UM CADERNO DE DESENHO E OUTRO DE CALIGRAFIA, LIVRO GRANDE DE GEOGRAFIA COM MAPA MUNDI NO MEIO, ESQUADROS E TRANSFERIDOR, RÉGUA, LAPISEIRA, E LANCHEIRA COM UM PÃO CRIOLO COM MANTEIGA E UM REFRESCO DE MARACUJÁ. TUDO NUMA BOLSA DE COURO MARRON DESCASCADA. AH A LANCHEIRA DE LATA IA A PARTE, DE LATA SIM SENHOR.

A PROFESSORA JÁ ESTAVA A POSTOS, SÉRIA, DANDO-NOS BOM DIA. ENTRÁVAMOS EM FILA IDIANA DANDO O “BOM DIA FESSORA”

PASSOU PESQUISA NA BIBLIOTECA SOBRE A VIDA DE TIRADENTES, E TIVEMOS PERMISSÃO DE IR COM DONA LAURA A DIRETORA, ATÉ A PRAÇA DA CATEDRAL, VER NOS LIVROS O TIRADENTES BARBUDO QUE MORREU PELADO.

NA VOLTA PEGÁVAMOS O BONDE SÓ POR FARRA JÁ QUE NÃO PAGÁVAMOS E PEGÁVAMOS O BONDE ANDANDO PORQUE ACHÁVAMOS O MÁXIMO.

EM CASA DEPOIS DE EMPURRAR TIJOLOS NO QUINTAL A GUISA DE TREM, DE BRINCAR DE MÃOS AO ALTO ENTRE MANGUEIRA, BANANEIRAS E GOIABEIRAS, JANTAR, AJOELHÁVAMOS A BEIRA DA CAMA, OUVINDO AINDA CAREQUINHA CANTANDO NO RÁDIO, E REZÁVAMOS ANTES DE DEITAR, ARRUMAR O TAMANCO, PENICO, MOSQUITEIRO, COBERTOR. E FICÁVAMOS OUVINDO AS HISTORIAS DE TERROR QUE OS ADULTOS CONTAVAM SENTADOS EM SUAS CADEIRAS EM FRENTE E NA CALÇADA DE MINHA CASA. APRENDI MUITOS CONTOS DE MULHER GOSTOSA E ALMAS E CASACOS NOS CEMITÉRIOS. MAIS TARDE NO MEU SONO OS PESADELOS ERAM SOBRE AS ASSOMBRAÇÕES QUE ELES NUNCA SOUBERAM QUE EU OUVIA.

DE MANHÃ A MARIA FUMAÇA, PASSANDO LÁ NA PRAÇA, APITANDO, OS CANÁRIOS E CURIÓS, O BEM-TI-VI NA BANANEIRA, O CHEIRO DE FUMAÇA E CAFÉ, LEITE DE ROSAS QUE MÃE PASSAVA ANTES DE IR TRABALHAR. ME ACORDAVA

FELIZ