O apartamento eterno, a metafísica e o despaixonitizador.
Aceito de bom grado, é um papelzinho. Pego, leio. No fundo, uma paisagem montanhosa, solar. Em letras gigantíssimas vejo escrito: "PARA O SEU FUTURO..." O primeiro parágrafo rasga a frase: "Você já pensou pra onde vai quando morrer?" Espero o moço que entregou o papel andar pra eu achar um pouco de graça.
Li num tom quase premonitório. "Tá chegando hein, tá vindo aí, se você não se ligar agora..." Ou então de anúncio de apartamento na planta "Conquiste o seu sonho, diga adeus pro aluguel e Oi pra eternidade"
Não pensei pra onde vou quando viver, imagine então na morte, imagine quando não mais tiver de pensar. Lembro de Pessoa: "Há metafísica bastante em não pensar em nada." Eu admiro isso, até. Por exemplo, amar simples quer dizer um pouco de coragem, eu acho. Uma coragem que eu não tenho. Não tenho e nem quero. Imagine só uma existência restrita só ao que chega aos sentidos?
Não. Chato demais. Me livraria da ansiedade? Talvez. Mas é um preço bem grandão a ser pago. O que seria da música, poesia, a falação de besteira, do flerte, dos choros nos bares, da sofrência pop da Olívia Rodrigo falando do Ex, da sofrência sofrência de Magno no refrão de "Amor, amor", das cartas, dos guardanapos beijados e coisa e tal?
Pois, vamos deixar viva a covardia do que se gosta difícil, complicado e sem cura. Digo sem cura, já que, vê só se eu não tô certo:
Ele, o amor, pede um remédio que a ciência ainda nem se atreveu. Não é falseavel, não se isola em laboratório, se prevê, nem nadinha assim. Todo mundo, ( ou quase), é um colisor de partículas em si, um experimento vivo, mas sem nenhum resultado conclusivo no fim.
O problema não é nem esse, imagine que se ignore isso tudo que eu falei, e agora enfim, é possível curar: você vai ao médico, está com dor de amor, não dorme, não estuda, não come, não quer nada, curte os stories, lembra do amor quando escuta música, quando vai a praia, quando chora, quando assiste série e coisa e tal. Um terror. Um terrorzão. Pior que dor de barriga. Os sintomas todos lá.
O médico te faz uma receita, olha com pena, manda ir na farmácia. A pessoa da farmácia te escaneia de cima abaixo e sabe do que você precisa, antes mesmo que diga:
- Me vê um despaixonitizador, por favor.
- Platônico, senhor?
- Isso, do grande.
E aí você toma o remedinho, e aí tudo se cura, e aí...Não. Não. Alô ciência, isso, estou falando com você. Nem pense nisso! Despaixonitizador não. Um mundo sem amor é um mundo impossível. Tô falando. Se não quiser acreditar, não acredita. Pensar pode até ser estar doente dos olhos, amar pode ser estar doente do coração, mas nada que um pouco de tempo e poesia não resolva.