O Apagão e os seres oniscientes.
Hoje pela manhã, um pouco antes das nove horas, desligaram-se todos os aparelhos de minha casa, e nenhuma lâmpada eu pude acender. Mistério. O que se sucedeu, eu não sabia.
Assim que se restabeleceu o fornecimento de energia elétrica, religou-se a geladeira, e o forno microondas, e a televisão, e o roteador, e os outros aparelhos da casa. E apertei os interruptores da sala, do quarto, da cozinha e dos outros cômodos a verificar se se reviveram da casa todas as lâmpadas. E fizeram-se as luzes. Feliz da vida, contente à beça, fui trabalhar. E não precisei, assim que cheguei ao trabalho, esperar sequer um minuto para ouvir seres oniscientes declarando, vividamente, certos do que diziam, e do que diziam diziam que era certo, saber a causa do que vim a saber do que se tratava, ciente, agora, de que a interrupção de energia elétrica não foi um fenômeno aleatório que se deu exclusivamente no meu lar, doce lar: um apagão, e apagão generalizado, que deixou no escuro, embora o Sol já houvesse acordado de muito, doze estados da federação brasileira. Um apagão! Quem diria?! E em doze estados brasileiros!
E os sábios de plantão, antes mesmo de qualquer investigação, apresentaram cada qual a sua certeza acerca da origem, que apontaram, do desgracioso e indesejado fenômeno que a todos por ele afetado surpreendeu: a privatização, disse um, que explicou: "Na época em que a empresa de energia era estatal não havia apagões."; o neoliberalismo, afirmou não sei quem; a política, de extrema-direita, do Bolsonaro, cuspiu alguém, que insistiu: "É o blecaute parte do esquema nazifascista ultraliberal que tentou, em oito de Janeiro, dar o golpe, e está associado ao roubo, pela Micheque, de jóias árabes."; o Lula, disse um fulano qualquer, que mandou ver: "O Luladrão quer venezuelizar o Brasil, e para tanto deu cabo da rede elétrica do Amazonas e desviou a energia para a Venezuela."; um raio, que atingiu a estação de distribuição de energia, disse alguém; maritacas, afirmou um sábio, que seguiu: "As maritacas são bichos peçonhentos, piores que bodes e gansos. Comeram, as diabas! os fios das linhas de transmissão." E etecétera, e etecétera, e tal. Todas as pessoas que se dedicaram a expôr o seu parecer têcnico acerca do caso, fê-lo com a certeza de que está certo o que disse e errados são todos os outros, que nada entendem do assunto.
Se toda pessoa pode dizer o que bem entendem do que nada entendem, então eu, que sou uma pessoa, e de carne e osso, uma pessoa sapiens, posso dizer o que bem entender do que nada entendo, e o fazer dando a entender que entendo do que digo, e declarar que está errado, redondamente errado, quem diz coisa diferente do que digo - e ai! de quem ousar me dizer que estou errado. Sendo assim, digo: Seres oriundos de uma galáxia distante, Andrômeda, provavelmente, evoluídos, de uma civilização do tipo dois na escala de Kardashev, a bordo de uma espaçonave movida por energia extraída de uma estrela presa em uma gaiola de Dyson, aterrissaram - melhor, alunissaram - no lado oculto da Lua, e lançaram um feixe (feixe, e não peixe - leia com atenção, leitor) eletromagnético contra um distribuidor de energia elétrica, assim deixando no escuro todas as regiões que dependiam daquele distribuidor afetado pela arma alienígena. Este é o meu parecer técnico acerca da origem do apagão. E cá entre nós, leitor, de todos os apresentados - dê mãos à palmatória - é o único plausível.
E vamos ao próximo apagão.
E que sejam muitos os apagões que estão por vir.