O PRAZER DE ESCREVER CARTAS



               Cartas manuscritas - desde pequena sou fascinada por elas. Creio que foi o primeiro exercício literário que fiz, sim porque considero escrever carta uma arte literária. Tão logo aprendi a escrever passei a ser responsável pela "escrita" das cartas e bilhetes da família. Alguns vizinhos também me pediam auxílio na arte de enviar notícias aos seus. Devo a Manoel Novinho, homem simples, mas de coração imenso, as primeiras dicas de como escrever uma carta, qual a diferença entre ela e o bilhete. 

               Gosto das cartas porque nelas nos revelamos, deixamos falar o nosso coração, cada palavra é meticulosamente escolhida, sem nenhuma pressa; a cada frase escrita um prazer renovado, a alegria de ir desenhando em letras a nossa alma exposta na tinta que desliza da caneta, de ir nos construindo naquilo que revelamos ao escrever, de nos desnudarmos aos olhos do outro em parágrafos que vão pouco a pouco se formando; gosto de pensar em cartas como fotografias escritas, elas dizem tanto de nós! 

               O prazer nasce já na escolha das ferramentas - o papel, a caneta, envelope, selo, até o momento de pôr nos correios, esperar a resposta, ler o que o outro lhe diz. Conhecer o outro em cada palavra dita é uma emoção que não troco por nenhuma outra forma de comunicação! E receber? Ah, este é um prazer ainda maior, imaginar que alguém sentou por alguns momentos e pensou em você, dedicou alguns minutos de seu corrido dia para escrever uma carta, falar através da palavra escrita o que naquele momento queria lhe dizer - isso não tem preço! 

               Adoro a sensação de manusear o envelope. Abrir rasgando o mínimo possível, sentir a textura do papel, e ouvir, sim ouvir, porque é essa a sensação ao ler uma carta, de estar ao lado do outro conversando, ouvindo-o falar aquilo que você ler; cada palavra lida é como tocar o outro, senti-lo perto; gosto de imaginar a expressão da pessoa a escrever cada palavra, os sorrisos dados, as paradas para analisar o que deve ou não ser dito, o que sentiu ao ler a carta já pronta para ser envelopada, se foi necessário refazer; eu faço direto, não gosto de rascunhos, nunca consegui fazê-los, toda vez que tentei fracassei, ao passar a limpo mudava tudo, perdia o sentido. 

               As cartas sempre estiveram presentes em minha vida, na pré-adolescência escrevia para mim mesma cartas de amor! Eram lindas, e quando as recebia era um momento sagrado. Ficava imaginando como era o príncipe que me escrevia tão belas cartas e ao responder sempre lhe prometia amor eterno, mas com uma condição, que ele viesse morar no sítio e gostasse de andar à cavalo. Não passava por minha cabeça sair de meu lugar. Quando me cansava, enviava uma carta pedindo para me esquecer. Eu precisava estudar e não podia perder tempo com coisas menores, outras vezes dizia que papai descobrira nosso romance e estava muito aborrecido, eram tão reais os motivos que às vezes eu chorava com meus conflitos criados em cartas que iam e vinham de acordo com minha vontade.

               Só na adolescência recebi minha primeira carta; uma tia muito querida foi morar em Marabá no Pará e me mandou uma carta! Meus Deus, acho que foi uma das maiores emoções que tive naquela fase de minha vida, era minha primeira carta de verdade, uma carta escrita por outra pessoa, em papel cor de rosa realçado pela tinta azul do lápis, vinda pelos correios, com meu nome no envelope, falando para mim, quase não conseguia ler de tanto chorar... Quando enfim consegui ler a carta não cabia em mim de tanta felicidade. Respondi na mesma hora. Tinha pressa de estreitar aqueles laços. E nunca mais abandonei o hábito de escrever cartas. Nem o telefone, nem a internet, nada me afastou desse delicioso hábito. 

               Já escrevi cartas de amor, de amizade, de esperança, de desespero, para ídolos - e aqui um parênteses - fui do fã clube de Gonzaguinha e recebia cartas escritas de seu próprio punho, eram meu tesouro, lembro da alegria que senti quando recebi sua primeira carta, mostrava para todo mundo, eu menina do interior recebendo carta de meu ídolo, era inacreditável, estava sempre com ela, quando alguém duvidava eu tirava de dentro de meu caderno e mostrava, lia quase todos os dias. Quem gosta de escrever/receber cartas sabe do que estou falando, é indecifrável o prazer de corresponder-se com alguém. 

               Recentemente quase fiquei sem esse prazer, meu único correspondente, um professor que estava fazendo doutorado na França estava de volta à Mossoró e em pouco tempo não teria mais para quem escrever; ninguém quer mais enveredar-se por esse mundo mágico, preferem às facilidades da internet, eu mandava carta, recebia e-mail, mensagem no Orkut, mas foi no Orkut que descobri na comunidade "Maníacos por Livros" o tópico "cartas manuscritas", não tive dúvidas, comecei a corresponder-me com pessoas que têm em comum o gosto pela literatura e pelas cartas manuscritas. 

               Tem sido uma grande troca de experiência e um prazer que se renova todo dia, pois como o número de participantes é grande, recebo cartas quase diariamente. E foi no mais moderno meio de comunicação - a internet, que resgatei a mais bela, agradável e maravilhosa forma de trocar notícias - escrevendo cartas!



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Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 20/12/2007
Reeditado em 14/02/2009
Código do texto: T786124
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