UM BANQUINHO ENTRE AS MACIEIRAS
Acabo de ler uma crônica fantástica da amiga Mirian De Oliveira Vargas ,cujo final estimulou-me à republicar está que fala de lembranças de meu pai.
UM BANQUINHO ENTRE AS MACIEIRAS
PEQUENAS CRÔNICAS DO COTIDIANO
(UM BANQUINHO ENTRE AS MACIEIRAS)
23:25 de segunda feira,07 de fevereiro/2022.
Saí para verificar se os portões estavam devidamente cadeados.
Um ar fresco - das horas mortas - e um silêncio de pedra perambulam pela minha rua.
Espio os perfis escurecidos das amoreiras de meu quintal e , sobre eles, um céu borrifado de estrelas me abraça.
Por um breve instante me perco nas constelações.
Então me dou conta de há quanto tempo não tenho me dado uma chance para espiar o céu, preparando os ouvidos para sorver a sonoridade da noite,enfim...
Um grilo aqui, outro acolá e o cri cri insessante da comunicação dos pequenos insetos.
Gansos fazem alvoroço pelas cercanias e o som me chega um tanto abafado.
[ Devem ser os gansos de dona Vandinha, confabulo com meus botões ]
A cabeça rodopia e o pequeno riacho de águas limpas que dividia nosso sítio rola de manso na correnteza de minhas lembranças.
É uma noite qualquer de um tempo muito distante.
Noite enluarada e acima das ramagens escurecidas das macieiras escorre um céu - tal qual o de hoje - borrifado de estrelas.
Um cheiro de feno seco, grilos dispersos pelo quintal e os gansos de tia Flora insinuando-se à beira do riacho.
Havia um banco de madeira maçiça bem ao centro do terreiro e era sentados nele que, meu pai e eu, costumávamos divisar o céu, as noites...
Com ele aprendi a catalogar o Cruzeiro do Sul, a estrela Dalva, as tres Marias e tantas outras quanto a sua fértil imaginação procriava.
Era mergulhados naqueles silêncios que ouvíamos com atenção os latidos dos cachorros do mato nas encostas de rios, o toque dos colonos reunindo os cães para as caçadas noturnas e ainda que poucas vezes,ouvimos muito distante uivos do lobo guará.
Ficávamos por longo tempo ali sentados e meu pai contava-me de suas vivências, do seu tempo de piá, das traquinagens que fazia às escondidas de vó Maria e sua severidade.
Calado eu lhe ouvia e as estrelas faiscavam como que estivessem participando dos relatos.
Depois, retornávamos para a casa e o sono dos justos nos derrubava.
Eis-me agora a ruminar um tempo de riachos de águas claras, gansos e cornetas reunindo cães para caçadas.
Maçãs pendente em galhadas e vagalumes entranhados na folhagem.
A noite de hoje carrega em seu bojo, as aragens frescas daquelas noitadas e o céu !...
Ah!...É o mesmo céu de minha meninice.
A Cruzeiro do Sul tão vibrante ao meu campo de visão,as três Marias e todas as outras para as quais meu pai inventava uma denominação no intuito de me agradar.
Os grilos prosseguem rasgando o silêncio noturno e araçás maduros despencam sobre as calhas.
Mudo na voz e gritante nas divagaçoes, sento-me no banquinho de madeira maçiça que a imaginação espalha sobre o terreiro.
Um cheiro de grama aparada me entra pelas narinas.
No céu marejado de estrelas uma luzinha colorida pisca feito um pirilampo.
É um avião noturno feito pássaro solitário no breu da noite.
Uma rajada mais forte de vento me traz recados de um mundo desconhecido, e
um lobo solitário uiva nas minhas florestas interiores.
"Hora de se recolher"... como tantas vezes ouvi.
IRATIENSE THUTO TEIXEIRA