O pássaro
Era apenas um pássaro dependurado na rede da Equatorial, solitário e altivo, esperando as horas passarem, mas para o garotinho que o avistou em meio a tantas outras distrações era o pássaro.
O menino estava acompanhado do pai e havia ao redor deles tantos carros, e tantas pessoas, e vinte e seis postes, e uma viatura da polícia na contramão, constituindo-se em nenhuma novidade para aquela criança. Mas, nos ares e altivo, avistando os movimentos terrestres, havia aquele pássaro, que, aos olhos do garotinho, era o pássaro.
O menino, antes de perceber a existência do solitário e altivo passarinho repousado na rede elétrica, era apenas mais uma criança no asfalto, chateada e de mau humor, igual a 99% das crianças citadinas atuais. Mas foi só seus pequeninos olhinhos de criança entediada deparar-se com os do passarinho, que seu semblante e estado psicossocial mudaram de inércia proposital para euforia geral.
Então o garotinho, aos pulinhos, puxou o braço direito do pai e lhe pediu:
— Pai, pai, pai!, e, apontando para o passarinho: "pega pra mim!!!".
O pai explicou que não podia, que era contra algum regulamento e tantas leis gerais raptar pássaros. A criança achou a resposta insatisfatória, e concluiu que seria mais condizente com a situação se o pai lhe tivesse respondido que não tinha uma escada, pois, assim, não poderia ir buscar o pássaro nas alturas.
O pai tentou, em vão e por mais de uma vez, dissuadir o garotinho da ideia de levar consigo o solitário e altivo pássaro. Argumentou em termos jurídicos e de senso incomum. O garotinho mostrou-se irredutível. O pai, então, lhe sugeriu uma troca: o pássaro por um sorvete. Aquela criança, tal qual quase toda criança, adora sorvete, mas o pássaro estava em um conceito mais elevado. E não aceitou a proposta.
Era um garotinho pragmático, lúcido e entediado. O pai não o entedia, muito menos ele compreendia o pai. E assim ambos foram, feito 99% da população mundial: infelizes para sempre.