PARENTES

“Parentes são os dentes e mesmo esses mordem a gente” é um ditado antigo, talvez cunhado por alguém que teve a infelicidade de nascer numa família, digamos, complicada.

Não foi o meu caso.

Sempre tive bom trânsito e afinidade com os parentes dos lados materno e paterno das gerações dos avós e dos pais.

Antigamente era comum os maridos e esposas, mesmo não sendo parentes consanguíneos, serem incorporados às famílias como se fossem nascidos nelas.

As famílias de quem herdei os sobrenomes Vasconcelos e Rocha ainda são bem numerosas e apesar de que até bem pouco tempo não se vivia tanto como nos dias atuais, tive a oportunidade de conhecer pessoalmente 12 dos tios-avós, 24 tios e já perdi a conta de quantos são os primos em primeiro, segundo e terceiro graus.

Tive também a oportunidade de ouvir as histórias das vivências desses parentes, muitos ainda vivos na época, contadas e recontadas inúmeras vezes sem os acréscimos próprios de “quem conta um conto, aumenta um ponto” por causa da vigilância dos participantes com liberdade bastante para corrigir os excessos e as supressões.

Talvez isso tenha despertado em mim, o gosto pelo conto, forma literária independente de continuidade e, como diz o Fado Final, “livre das grades do tempo”.

Nas conversas ao redor da mesa, depois das refeições, falava-se sobre tudo.

Custo de vida, artigos de jornais, livros, condições do tempo, perrengues no trabalho, casos policiais, desmandos das “autoridades” (que por nossa apatia permanecem imutáveis), assuntos de família e vida alheia.

Ouviam-se as opiniões daqueles que pela vivência e observação dos comportamentos eram capazes de esclarecer os fatos que a alguns, causava dissabor, principalmente quando eram comentados os desencontros entre casais, quer fossem de meros conhecidos ou dos parentes próximos.

E foi numa dessas ocasiões que aprendi a máxima capaz de esclarecer o porquê de casais insistirem num relacionamento azedado há muito tempo com os papeis de vítima e algoz devidamente estabelecidos.

Tia Catita, sabiamente, esclareceu: eles são iguais e não se separam porque “Deus não junta doce com merda”.

Pensando bem essa máxima é válida em quaisquer circunstâncias.

GLOSSÁRIO

12 tios-avós = 9 maternos; 3 paternos

24 tios = 17 maternos; 7 paternos

Fado Final – interpretação de Amália Rodrigues, autor desconhecido.

Tia Catita – apelido familiar de Ana Catarina Rodrigues da Rocha, tia-avó paterna.