AI, PALAVRAS...

Ai, palavras...

O professor Chico Viana, em crônica intitulada Paixão e escrita, afirma que “O amor não acaba quando morre o desejo. Acaba quando os amantes não têm mais o que dizer. Ou têm, mas não sabem como fazê-lo”. Tenho defendido nas minhas aulas a importância de ampliar nosso vocabulário, atentando sobre a importância da leitura para que isso ocorra, pois ainda que optemos por utilizar mais umas palavras do que outras, não as utilizamos apenas na fala e na escrita, também as ouvimos e as lemos, sendo constrangedor, por vezes, não entendê-las ou não sermos compreendidos.

Lembro-me de que a utilização do dicionário era recorrente quando criança. Vai, não faz tanto tempo assim, e não falo com saudosismo digno de pessoas com idade avançada... O fato é que pouca gente tem recorrido aos verbetes para expressar aquilo que se quer dizer, faltam-lhe literalmente palavras, quando não tombam na imprecisão vocabular, tornando o texto vago ou mesmo inapropriado por trocar um termo por outro.

Tente pensar em algo sem o auxílio das palavras. Impossível. A relação do significante (som) com o significado (conceito) é íntima. Por isso, defende-se que a nossa existência, nossa posição diante do mundo, depende da comunicação. Uma pessoa com um repertório linguístico terá mais poder de expressar seus sentimentos de forma mais clara, terá mais condições para solicitar aquilo que deseja. Língua(gem) é poder. Clarice Lispector dizia “a palavra é minha quarta dimensão” e era seu domínio sobre o mundo.

Mas, se o amor acaba quando não se tem mais o que dizer ou não sabe como fazê-lo, também é verdade que o silêncio só é suportável entre os amantes. A quietude é a contracorrente da gritaria ordinária, entre nós e dentro de nós o barulho se instala, porém entre ruídos a comunicação é afetada. Daí advém tanta guerra, tanta dificuldade em sermos ponte e a facilidade de se construírem muros. É que até para interpretar o silêncio nos necessitamos das palavras – elas estão em nossa mente, processando o porquê da intermitência do caos. Dizer é um direito. Calar também. O problema não é calar por não saber o que dizer, mas silenciar por não saber como dizer.

Por isso, recorro ao dicionário – o pai dos inteligentes – porque a inteligência passa pela curiosidade. Desejo saber, então, ávido, vou atrás do conhecimento e dele me aproprio para ser mais, não só para mim, para o mundo, porque posso até não ir a Roma, mas posso me encontrar, encontrar o amor, a amizade, pois não me faltam palavras. “Ai, palavras, ai, palavras,/ que estranha potência a vossa!/ Todo o sentido da vida principia à vossa porta;/ o mel do amor cristaliza/ seu perfume em vossa rosa;/ sois o sonho e sois a audácia,/ calúnia, fúria, derrota...”. Ai, Cecília Meireles!

Ah, não admito quem não ame as palavras. Como pode uma pessoa não gostar? Está negando a si, recusando um universo de possibilidades. Tão infinitas quanto os números são as combinações entre as palavras. Seu problema é poesia? Abra agora um Machado de Assis. Não gosta literatura? Recorra a Gilberto Freyre, a articulistas, a filósofos estoicos, a outros gêneros textuais: biografia, crônica, quadrinho etc.

Outro ponto. Sabe por que um processo terapêutico é tão importante? Porque é o momento em que o paciente, mais do que falar para o psicólogo/psicanalista, está ali para se ouvir, mas o processo será bem mais longo se não estiver em pauta a gramática dos afetos, que por ela passeiam as palavras – ditas e não ditas.

Pode-se criticar Freud em muitos aspectos, mas inquestionável é a cura pela fala. Bem antes, sabemos, Sócrates desenvolvia sua maiêutica como parto de ideias. Muitas pessoas estão doentes pelo maior mal: a incomunicabilidade. É irônico, afinal não vivemos na era da comunicação? As ideias não estão sendo mais partejadas, mas abortadas?

No princípio era o verbo, a palavra, acredito que também seja o meio e o fim, como finalidade para sermos mais humanos, mais gente.