Éden Club (Onde é a serpente que come a maçã)

Bento, em seu último dia de aula, escutou a palavra “tenacidade”, direto da sala dos professores. Guardou aquilo na memória. Antes foi ao banheiro e ao voltar para perguntar, todos os professores tinham ido embora.

Amuado, Bento foi para casa perguntar aos pais.

- Pai!

- O quê?

- Que significa “tenacidade”?

- E lá sei eu, agora vá ver as galinhas.

Não satisfeito, Bento foi ao encontro da mãe.

- O que significa “tenacidade”.

- Está vendo aquela louça ali? Esta casa suja, as cuecas cagadas do teu pai, teus trapos sujos, teu quarto ominoso que fede a urina e porque tem tanto papel grudento debaixo da tua cama?

Bento saiu correndo. Foi a cidade. Chegou a loja de roupas de Odete.

- Tenacidade? Perguntou ela, deve ser algo ligado a trabalho, arruma um e não me enche o saco.

Na mercearia de João.

- Estou precisando de alguém com tenacidade para me ajudar com essas laranjas podres e esses tomates estragados.

Além de ninguém saber, todos estavam tratando-o como um jovem estroina, mas ele só tinha uma dúvida. Tentaria só mais uma vez.

Chegou na sapataria do Tião e perguntou.

- Quer levar na cara um trinta e seis ou quarenta? Perguntou Tião, furioso.

Um cliente, tanto ébrio, disse para ele procurar o Poeta Gumercindo, na praça.

- Sabe de tudo, o Gumercindo, um dicionário humano. Disse o trôpego homem.

Bento correu, achou Gumercindo, homem negro, imberbe, calças velhas e sapatos batidos, cabelo alinhado, usando camisa e casaco velho de couro, lendo Camões de pernas cruzadas. Já esquálido, pois morava na rua há tempos, alquebrado devido à idade, tácito, mas muito maneiroso. Estava trabalhando em um poema quando escutou uma voz jovial e estafante.

- Olá! Disse Bento.

- Olá. Sente-se, garoto. Quer água?

- Não. Só quero saber o que é “tenacidade”.

Gumercindo respondeu:

- Cinco reais por palavra, dois por sílaba e um por acento.

- Não tenho.

- Então, nada feito. Procure um dicionário.

Bento saiu a procura de um, mas não achou. Uma lei havia sido criada e todos os dicionários haviam sido queimados para que as pessoas não soubessem nada do que o mais básico de vocabulário.

- Dias depois, Bento voltou.

- Não achei, mas pago-lhe depois. Diga-me.

- Cinco reais por palavra, dois por sílaba e um por acento.

Com a extinção do grande livro, era assim que Gumercindo vivia, ajudando pessoas com palavras, inclusive doutores e escritores. Em breve pensava em abrir um negócio, mas a saúde era vapor a cada dia.

- Por que não me ajuda?

- Preciso do dinheiro, estou morrendo e quero ser enterrado num belo ataúde, ao contrário de minha família que foi jogada em buracos na terra dentro de sacos pretos.

-Ataúde?

- Um real...

- Já sei.

Gumercindo contou algumas histórias para Bento. Sabe garoto uma vez um velho matou um amigo por causa da palavra algibeira, o mesmo achou que era uma ofensa a sua figura, algibeira é bolso, outro perdeu o casamento, pois chamou a mulher de lasciva e ela achou que era nome de amante, sendo isso significa outra coisa. Um casal botou o nome do filho de ataúde e um garoto perdeu os dentes por dizer sege e o amigo dizia que era seja. “É seja, não existe sege, vamos a Gumercindo”. “De sege? ”. E teve Jorgete que colocou o nome da sua casa noturna de “Sibila Night Club”. Ninguém sabia que sibila pode significar bruxa, a macharada me perguntava e passava longe, um dia ela veio e expliquei. Trocou o nome para Éden Night Club (Onde é a serpente que come a maçã). A Bento disse: Pegue esse “adesivo” para colocar na porta do seu guarda roupa, um presente para ti. Palavras confundem, criam guerras, preconceito, mas, bem usadas, dão dinheiro, educação e formam boas pessoas. Têm as más, mas aí é questão de escolha.

Gumercindo morreu logo depois, levou seu caderno de palavras e descansa agora num belo caixão.

A internet chegou e tudo mudou. Bento se especializou na linguagem moderna e montou uma tenda na praça central. “Tradução de celular para adultos e idosos”. Logo estava ganhando muito dinheiro.

A primeira queria saber porque o filho escrevia tanto “krl”, outra queria entender “tmj”, uma senhora levou uma mensagem do neto:

“vó, preciso ir ao rola com a galera, desenrola uns “barão’, “pg” “vc” “dps”.

- Cinco reais por palavra, dois por sílaba e um por acento.

“Vagabundo, quer festar vai trabalhar, disse ela após ouvir a tradução de Bento. E assim ele segue ganhando muito dinheiro. “vlw”, “tbt”, “cêloko”, “na moral”, “cpx”. “é nóis”, “mãe, me desdobra cem pau”. Nunca a linguística foi tão efemeramente atualizada.

Chega uma menina, ela dá o telefone com frases horríveis. Ele diz que vai sair caro. Pergunta como tão jovem não sabe disso? Ela diz que seu avô ensinou que os livros sempre seriam a melhor maneira de escrever e ler sobre as coisas. Quem era seu avô?

-Aquele que sentava aí onde você está.

- Sabe o que significa paixão? Pergunta ela.

- Cinco reais por palavra, dois por silaba e um por acento.

- Eu sei.

- Coisa passageira, a paixão.

- Amor?

- Algo duradouro, construído com o tempo. Ninguém sai amando após um copo de cerveja, nem dois, nem três. Você acaba de criar uma bela divida comigo.

- Sabe o que é tenacidade? Ele chora em homenagem ao velho, nunca quis saber. Só que na verdade, o velho já havia respondido, presta atenção leitor.

Então ele convida ela.

- Sorvete depois?

- Prefiro açaí.

E você, leitor, sabe o que é tenacidade? Se quiser saber já sabe o preço. Ainda bem que tenho um emprego e vivo bem grudadinho nas palavras. Para uns pouco ganho, outros, ganho muito. Tudo questão de "opiniães, já dizia Guimarães".