O QUE É ALMA?
Almoçando com vários amigos de alta intimidade, interlocuções variadas.
Falo sobre inconveniências dos que se valem do Poder institucional e conto alguns casos, um deles de alguém que me telefonou às 7,30 hs da manhã, me acordando, e atendendo fiquei surpreso com a inconveniência do pedido e da falta de educação em telefonar a essa hora. Dei o devido tratamento na minha esfera ao pedido pela tarde, duramente.
Um dos amigos disse, "eu não atendo a essa hora". Respondi, mas pode ser um filho, filha, urgência de família. Ele respondeu, "se vire". Eu lhe disse, "não sou assim".
Lembro de João Monteiro, um clássico de nossa língua portuguesa que acabei de referir para um amigo acadêmico em comentário.
Dizia ele: “Quando me tenho analisado, o que sucede em horas de preguiça, que é a minha única forma de reflexão filosófica, descubro que tenho alma demais, e ser-me-ía de maior utilidade se a tivesse de menos”.
Ninguém quer ter alma (sentimento) demais ou de menos, nascemos assim, demais ou de menos em amor, principalmente o amor incondicional, com filhos, netos, próximos, amigos. Disponibilidade espiritual que se traduz em várias solidariedades é alma, demais ou de menos.
Quem tem demais sofre demais. Quem tem de menos já está meio sozinho "demais".
O quê é a alma? Defini-la, projeto impossível, seria pretensão descabida e tola. Mas, pode-se dizer, que a alma é irmã do pensamento. Ambos intangíveis, daí o grande enigma. Uma nos levaria ao eterno na promessa da nova aliança, o outro faz a ponte, envolta na rede elétrica de neurônios, atalho imaginário tentado construir para o santuário impenetrável que abraça o anímico, a alma.
Estamos no santuário de portas segredadas, cerradas, aspiradas entrar por todos que se entregam a essa árdua e impossível tarefa, sumamente superior às forças humanas, campo de estudo das grandes questões inacessíveis. Vale a corrida frenética de penetrar o menos no tudo do impenetrável.
A corrida que moveu religiosos e filósofos é permanente, faz parte do orgânico núcleo dos pensadores que não se frustram na estrada áspera tanto quanto doce.
A persecutória entrega traz retorno, ainda que insatisfatório. O santuário, ao menos, é “tentado” frequentar. Embora cerradas, bate-se nas portas fortemente.
Mas, elas nunca se abrirão! O desconhecido não desfaz seus véus. Mantem-se indecifrável a desafiar os ansiosos.
Na passagem da matéria poderá se dar o encontro do não revelado à impureza dos sentidos, maculados pelo burburinho dos sonhos materiais, embora pretendidos descartar. Descarte impossível. Somos matéria!
O despojamento tem limites. O anacoreta necessita de proteína ou sucumbe, mesmo os pouquíssimos ditos santos, que viveram praticamente só de água. E os normais em emoções materiais necessitam do jogo do amor.
Viver de fé é sublimar o corpo, a matéria que é a forma do mundo, da natureza. Em sânscrito, a fé, “visvas”, guarda similitude quase gramatical com a ação do verbo viver, dirigindo-se a respirar, energia vital, confiar e estar livre do medo.
Quem está na posse da tranquilidade, onde a respiração faz fluir a vida expressiva, tem a compreensão intuitiva da verdade. É o caminho para penetrar parcialmente na intuição da alma. O santuário, fechado à inteligência, está aberto às indagações que levam à esperança do credo em algo melhor. É a chave para tranquilizar o espírito indômito.