DESAPARECIDOS

FERNANDO E OS DESAPARECIDOS

Nelson Marzullo Tangerini

Nalgum canto deste país, “abençoado por deus e bonito por natureza”, repousam os restos mortais de desaparecidos da ditadura militar imposta ao país em 1964. Homens e mulheres, honrados, que pensavam em construir um novo mundo, foram presos, torturados e mortos, enquanto outros desapareceram para sempre.

Mas há quem sonhe em ver outra vez o extermínio de seres humanos, opositores do autoritarismo e de uma sociedade em que os humildes, os pobres, não têm acesso à felicidade, tão amiga dos ricos. Os “revolucionários”, usando um termo dos anos 1960, que teimam em transformar os pensamentos obtusos da burguesia, nessa terra de ninguém, estão sujeitos à vigilância, à polícia de costumes, que pune exemplarmente, com mão de ferro, os oprimidos de forma implacável.

Daí alguns saudosistas aplaudirem o genocida quando este declarou que “quem gosta de ossos é cachorro”

A revolução social, tão sonhada, engavetada, promete ainda investir no progresso intelectual da humanidade, como dar uma casa a quem não tem onde morar, comida a quem tem fome, Educação aos filhos dos menos favorecidos e hospitais populares a quem não pode pagar um plano de saúde.

E há quem pense que, sendo humanista, sou vermelho, um comunista de carteirinha. O discurso é o mesmo dos golpistas de 1964.

Andando pela Rua Dias da Cruz, no Méier, paro diante de um livreiro de calçada e encontro o livro “Onde está meu filho? – História de um desaparecido político”, de Chico de Assis, Cristina Tavares, Gilvandro Filho, Glória Brandão e Jodeval Duarte.

O livro, publicado pela editora Paz e Terra, São Paulo e Rio de Janeiro, 1985, trata da história do jovem pernambucano Fernando Santa Cruz, vítima da ditadura militar.

Imediatamente, veio à minha mente o período em que estudava, no Colégio Piedade, propriedade do Sr. Luiz Gonzaga da Gama Filho, dono da Universidade Gama Filho e amigo dos militares de 1964. A direção do colégio, como se sabe, ficava a cargo de vigilantes generais, que observavam os “desordeiros”, como foi o meu caso.

Farto daquela disciplina absurda - tínhamos que ficar congelados, quando um sinal tocava, por exemplo -, pedi que minha mãe me transferisse para outro colégio: o Colégio São Judas Tadeu, no Encantado, de onde também me transferi para o Colégio Maranhão, no Engenho de Dentro. Ali, a rebeldia roubou a minha alma. A tal ponto que fui chamado de “desordeiro”, um dos piores alunos do colégio, diante de minha mãe. Porque não queria nada com aquele ensino chato. E penso que os que estudaram comigo também não aturavam a matéria OSPB, Organização Social e Política Brasileira, que, na verdade, era uma lavagem cerebral a favor da ditadura.

A rebeldia de Fernando Santa Cruz me fez lembrar dos meus tempos de desordeiro, embora fosse menos corajoso que ele, pois não parti para uma militância agressiva.

Era 1970, o Brasil era tricampeão mundial de futebol, enquanto opositores do autoritarismo eram presos, torturados e mortos. Naquele momento, Fernando desaparecia misteriosamente. Era abduzido pelos militares, enquanto sua mãezinha, Dona Zita, procurava seu filho pelos corredores dos quarteis.

Em 2023, caminhando por uma rua do subúrbio do Rio, venho a conhecer a triste história de Fernando, que militava por uma causa nobre, enquanto o escritor desta história infernizava a vida dos chatos professores e diretores das escolas por onde passei.

Quem diria! A literatura transformou minha vida, transformou-me num chato professor de Língua Portuguesa e Literatura, o que fez de mim um escritor com mais de 10 livros publicados.

Viva Fernando! Sua morte e a morte de muitos brasileiros transformaram este país. Se não podemos vê-los vivos, para vivenciar o sonho da liberdade, que sejam sementes para alimentar a futura geração sadia.

E viva a literatura, que pode humanizar os brutos!

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 08/08/2023
Reeditado em 09/08/2023
Código do texto: T7856764
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