EMBALOS DA MADRUGADA DE SÁBADO
Saía todo dia sempre na mesma hora. Com sua farda alinhada, pegava na esquina o ônibus para a fábrica Grendene. Funcionária exemplar, nunca em décadas de carteira assinada, recebera qualquer advertência.
No interior de seu apartamento, muita mobília, móveis amontoados em cada palmo de espaço. No quarto de dormir… um ambiente adolescente, incompatível com a aparente maturidade daquela mulher de mais de 50 anos. Vários ursos de pelúcia, coelhos, bonecas, brinquedos amontoados e empoeirados decoravam o guarda-roupa, a cama e o piso do cômodo.
Retraída, reservada e meticulosa em suas poucas palavras, apenas era observada com reservas. Viscosa, escorregava lisa, dia a dia pelos degraus e corredor do edifício.
Mas no sábado não. Neste específico dia da semana, ocorria aquele fenômeno. Tudo começava com música alta. Embalos quentes dominavam os andares do prédio, nas madrugadas de sábado.
Quem sabe, abstraída no sofá, ensaiava os primeiros goles de aguardente. Estaria tudo bem, finalmente. Se encontrava a salvo em seu apartamento, curtindo sozinha suas canções preferidas. Um e mais outro trago e… “tudo bem” … olhava mais uma vez a vida passar na rua pela janela. Tudo ainda estava lá, talvez com a exceção de alguns mínimos detalhes observáveis. Talvez.
Até que, numa simples ida até à cozinha, um impulso súbito de gritar: ─ Uuuururuuu… Uuuururuuu! ─ Que delícia! Era como se todos os filamentos de seu corpo vibravam de prazer. E após o primeiro gole de insensatez, como poderia ela, justo ela, evitar a embriaguez de outros berros, uivos e risadas das mais escrachadas? E porque não?
Seguia-se assim, pela madrugada, seguidas vomitadas sonoras de uma mulher engolida, exprimida e expelida naqueles gritos embalados, de um sábado para um domingo.
─ Eu estou aqui! EU, “eu”, eu existooo… Eu também estou, VIVA! Vi-vaaa!!! Uuuururuuu! Uuuururuuu! Uuuururuuu!!!