BICICLETAS ROUBADAS

[CASO 8/9]

Nefertiti não me pertencia, apesar de eu usá-la muito mais que sua dona, na época uma companheira que também lhe tinha grande apego, talvez por ter sido a bike presente de um ex-namorado. Bom, a questão é que a bicicleta era muito querida por muitos e por muitas razões.

Então, um dia fui eu “cavalgando” Nefertiti como se fosse o próprio Aquenáton, após extinguir o politeísmo no Egito, e instituir o culto ao deus único do qual eu era seu único filho. Tá, não era bem assim. Na realidade, um baita feriado prolongado ia começar no dia seguinte, e meu salário tinha acabado de ser depositado no banco. Certamente os céus estavam claramente em meu favor!

Porém, chegando à agência bancária, constatei que estava sem as chaves do “cinto de castidade” da minha companheira de duas rodas. Não poderia agora adentrar ao banco e sacar o dinheiro, sem correr o impensável risco da Rainha do Egito ser sequestrada. Mas será uma praga? E agora?

Inconsolado, recostei minha cabeça sobre o guidão da “Dádiva do Nilo”. E foi aí que subitamente, desceu aquela mão sobre meus ombros:

- Meu chaaapa! Coméquitá? Tá lembrado de mim não, veterano? Te conheço das antiga. É sim. Qual foi? Vai chegar aí no banco?

- Cara, me esqueci da porra da chave da porra do cadeado, e a porra do banco vai já fechar, e não vai dar tempo de ir em casa e voltar.

- Vixe doido! Feriadão liso é paia... paia de mais (pausa). Ei, mas tem seu parceiro aqui. Ó, se liga ai... DE CORAÇÃO brother! Rocheda mesmo! Deixe aí a bike comigo vá lá... pode confiar mano! Aqui é de coração (batendo no peito)!

- Tu pastora mesmo cara?

- Na hora meu chapa! Aqui é pastoradozão! De coração, pode ir que aqui é de rocha! E é de co-ra-ção (batendo no peito)!

Não foram mais que dez minutos para fazer o saque. Pensei inclusive em dar uns dez contos pro meu herói salvador. Mas quando saí da agência e não visualizei Nefertite, nem seu gentil guardião… um vazio enorme tomou conta do meu peito. Era uma coisa assim, como se tivessem arrancado meu coração pela boca. Zonzo, cambaleei tentando dar alguns passos. Foi então que, mesmo com um estranho zunido nos ouvidos, ouvi uma voz ao fundo:

- Ei chapa! O fulano carregou tua bike num foi?

- Hã? Quê? É, é. Foi, foi.

- Cumpade, seguinte: aquele nóia tá queimando meu filme aqui nas área... ó, guardador tem bata da prefeitura... ó aqui (mostrando a tal bata)! Mas tu quer tua bike, quer?

- Hã ham... Hã ham...

- (EM SIGILO) A quebrada dele é assim, assim, assim e tal.

No espaço de tempo de menos de uma hora, cheguei na quebrada com os gambé. Logo de cara, no endereço delatado, bem em cima da calçada... estava Nefertiti... que era verde, mas agora já tinha pintura preta.

Quando trouxeram o profissional do roubo em questão a minha presença, para que o reconhecesse, ele ainda me veio com essa:

- Ei mano, desculpa aí... é só doideira mermo. Nadaszaver! Mas dá queixa não vá lá... de coração!

- Cara (com a mão no peito dele), você traiu meus sentimentos cara! Porra de bike não! Mas ó, de coração doido... essa, TU VAI RESPONDER! Que é pra tu aprender a não desconsiderar o nego.

Franck Terranova
Enviado por Franck Terranova em 07/08/2023
Reeditado em 11/01/2024
Código do texto: T7855341
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.