Cenas Urbanas (nº5)/ Morte e Vida Incerta

Uma das músicas do compositor Assis Valente, cantada por Carmem Miranda em 1938, “E o Mundo não se Acabou” baseava-se nos boatos sobre o Fim do Mundo diante da possível colisão do planeta Halley com a Terra. A letra lembra o período da pandemia do Covid-19. Exatamente sobre as marcas psicológicas e físicas desta doença é que observamos os velhos ou novos hábitos dos metropolitanos, talvez uma decorrência dos anos de isolamento e medo a que todos foram submetidos.

Aqui, no Brasil, aumentou a “politica de extermínio” contra a pobreza e os grupos indígenas com a omissão do Estado diante do vírus mortal. Foi um reforço à contínua perseguição aos pobres e às minorias indígenas, os primeiros pelo combate ao narcotráfico e os segundos, por conta da cobiça de seu território. A pandemia foi a oportunidade de dar vazão à varredura dos excluídos, através da morte natural.

Do ponto de vista dos habitantes das cidades, o fim da pandemia, sinaliza uma volta desenfreada de “viver a festa”, de “soltar a franga” sempre no fio da navalha suspeitando a volta de um novo ataque, que faça a todos mortos por catástrofe natural ou humana. De fato, é surpreendente ver nos fins de semana, uma muvuca imposta aos transeuntes no ir e vir das compras, e a vontade de não perder nenhum momento de prazer, lotando as praias, botecos , restaurantes, rodas de samba, concertos, espetáculos, teatros, cinemas, etc. É a congratulação por estarem vivos, curtindo o instante. Falam alto nas filas, gesticulam é um tempo mais tenso que relaxante, pois interagem com multidões, que entram em conflito pela disputa dos espaços de lazer.

As ruas tornaram-se mais perigosas, pois é um espaço público que está repleto de trabalho precário de camelôs, ambulantes e dos sem-- trabalho, os mendigos que aumentam a cada dia à espera de providência pública ou privada. É óbvio que os Direitos Humanos, os Direitos dos Cidadãos, Os Direitos do Ir e Vir são retóricos. E nem se fala daqueles que não têm Direitos – os terceirizados e desempregados. Conclui- se que a maioria das pessoas que precisa do Espaço Público para trabalho e lazer, perdeu tudo. Hoje só os privilegiados, os que dispõem dos Espaços Privados, têm “Direitos à Cidade”!

Enquanto se entorpecem de diversão, ocorrências de violência na periferia, continuam a alimentar a “política de extermínio” através das “chacinas”. As últimas notícias de final de julho e início de agosto falam de Guarujá, litoral de São Paulo, onde uma operação que envolveu seiscentos policiais da Polícia Militar e Civil, foi organizada em razão da morte de “um policial” por “um atirador” do narcotráfico. Deixou dezesseis mortos. O Governador Tarcísio Freitas não só defendeu a operação como disse que ela ainda está em andamento. Em 02 de agosto, dez pessoas morreram e cinco feridas na operação militar do Complexo da Penha no Rio. Dois feridos são da Polícia Militar do Bope. A causa da invasão policial foi a reunião dos líderes do Comando Vermelho. A repressão policial durou das três horas da manhã às quatorze horas.

Nas Missas de Réquiem em homenagem aos mortos, quem vai se solidarizar com os sobreviventes? A União faz a Força não só na denúncia da banalização da violência como na mobilização de todos contra novas e antigas chacinas que se tornaram o “moto contínuo” dos aparelhos repressivos do Estado. Mas todos, ou quase todos buscam válvulas de escape como “ópio do povo”. Uma expressão sertaneja “Êta Mundão Véio Sem Porteira” vista em seu duplo sentido pode esclarecer o contexto social vivido. De um lado é abertura, encontro sem limites, e do outro, é situação complicada, cabulosa, assustadora. Pode ser o Fim de um Mundo que conhecemos e o começo de outro Mundo que não sabemos onde vai dar.

ISABELA BANDERAS
Enviado por ISABELA BANDERAS em 06/08/2023
Código do texto: T7854721
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