CHEIRO DE AMOR? CHEIRO DE MANGA (crônica)
Cada vez que a quero, eu me isolo de todos. Escolho uma sombra, aconchegando-me num banquinho e nos meus pensamentos, iniciando a devorá-la devagarinho, devagarinho para nunca acabar o momento só meu...
Sabem por quê? Porque a danada tem cheiro de amor, gosto de carinho, revivescimento de boas lembranças. Ela tem cheiros infinitos como os de afetos intermináveis e de carícias bem dadas. Assim que a livro da casca lá vem o perfume danadinho pelas narinas, chacoalhando sentimentos e agitando a minha inquieta alma. Eita! fruta boa quando bem madura! e na sua cor quando beira ao dourado, melhor ainda. Como gosto da danada Manga!!
Por causa dela me arrisco a uma tese: Deus quando estava com saudades de algo, sei lá, de seus mistérios, criou a danada manga e danada de gosto e cheiro. Com certeza, Ele ficou chupando-a e admirando a obra daquele sétimo dia; sentado lá no paraíso.
Vou mais longe sem querer ser herege: “Acredito que Ele criou o paraíso como um lugar para se sentar e apreciar a danada fruta. Criou a Luz com o estalar dos dedos, e gritou ‘faça-se a manga’.”.
Rio sozinho com esses assaltantes pensamentos, mas, não são tolos. São-me reais e gostosos como a manga.
Atrevo-me:
— Digo que ela tem cheiro de amor, afeto e carinho. Comparo-as com doces lembranças das brincadeiras na infância com as crianças vizinhas. Lembro-me da imagem das mães em cadeiras na calçada jogando palavras sábias ao vento; coisas delas! Recordo-me que, de repente, eu e a amiguinha nos deparamos juntos, escondidos pelo esconde-esconde atrás de um dos muros, olhando-nos misteriosamente com outras intenções inocentes. Eu, então, com uma surpreendente ação taquei-lhe um beijo que até hoje não sei onde pegou. Talvez tenha sido em seu rosto? Será que foi nos olhos? Ou na testa? Não me lembro até hoje, porque foi mais rápido que as malandragens de tocar a campainha da vizinha dona Maria, a italiana: Foi fazer e correr, sair do esconderijo, ser pego pelo pegador da vez e ainda ficar com medo que ela contasse para a sua mãe. Ela não contou. Só ficou o meu atrevimento como sendo cheiro delicioso de manga: Inesquecível cheiro de descoberta infantil.
Afasto-me para saboreá-la porque é um momento único em que me torno criança insaciável. Aquela que roubou a fruta do pomar alheio que é sempre a mais deliciosa das frutas do mundo. Mordo-a com a intensidade da gulodice. Lambuzo-me como nadar num pote de mel.
Relembro-me:
— Relembro o gosto da primeira namorada. Disse-me o sim na saída do ginásio. Morena bonita, disputada por muitos e eu escrevi-lhe uma poesia falando de seu sorriso. Três ou quatro versos singelos saídos do meu coração (pela primeira vez dei-me por conta de falar pelo coração) e que deu certo. Ela disse-me sim com o seu belo sorriso. Peguei em sua mão sentindo ser o rei dos reis levando a uma princesa pela primeira vez para casa.
Escrevo-lhes segregando e cochichando envergonhado. Porém, a verdade é que não durou muito o namoro, pois alguém escreveu a ela, certo dia, outros versos bonitos e singelos certamente saídos do coração. Não me importei muito, pois outra menina estava de olho em mim. A investida (é segredo, está bem?) não deu em nada, outra vez. Restou-me história com cheiro de manga: Cheiro de carinhos.
Ah! ela me provoca água na boca. Quando a marota vai terminando os meus olhos viajam até a fruteira. É imbecil aquele que deixa uma só manga na sua fruteira, provocando fins de doces lembranças.
Doces lembranças como:
— Como a expectativa pela chegada do primeiro filho. Grande angústia do pai inexperiente de mãos geladas, com preocupações infindáveis com a mãe e o tormento de não ver a hora de saber que o filho teria as mãozinhas perfeitas? Era o meu maior medo: ele não ter as mãos perfeitas. Sempre tive esse íntimo medo, eu confesso. Os “Sigmunds Freuds” que expliquem.
Mas, Deus tem o hábito de multiplicar as bênçãos e alegrias. saindo Multiplica o que é bom. Assim que Ele viu em mim a intensidade da alegria e do sabor de ter um filho, mandou-me outros três. Fizeram-me um homem. Povoaram a minha existência como cheiro bom de manga: Cheiro de amor e carinho, carinhos e afetos, orgulho dos bons.
Aconselho a terem mangas na fruteira, nem que seja só para inebriar de perfume a casa, depois que se sintam saciados.
Ela é fruta de doces lembranças:
— Como pingos de alegrias viajores à porta da minha vida. Nove frutinhos, netinhos, pequeninos, malandrinhos que chegaram na hora certa. Entraram na minha vida fazendo-me de gato e, não contentes, trataram de me fazer sapato, também. Dormem na minha cama ignorando o quartinho de camas e de colchões extras só para eles. Jogam-me para dormir no sofá. Despertam ou realizam em mim a alegria de um contador de histórias, maquinista de trenzinhos em miniaturas, motorista imaginário de grandes carretas. Fazem-me de pai carregando bonecas, de experimentador das comidinhas imaginárias.
Os nove, por mais que teimosamente cresçam, pintam o sete na minha camisa, na parede-mural que criei para limitar o local aos que vieram como pintores marotos. Encharcam meus olhos de lágrimas discretas e constantes ao ser chamado por eles de; avô.
Garanto-lhes que são lágrimas com cheiro de manga: Cheiro de dengos, mimos, paciência e rejuvenescimento.
Não quero cansá-los com tantas mais reminiscências, mas eu me sinto um homem feliz. Gentes e coisas na minha vida tiveram e ainda tem o cheiro de manga. Pelos meus anos vividos ela me é sempre madura e dourada.
Noventa por cento das minhas reminiscências são filhos e netos. Restam-me dez por cento sendo preenchidos pelos livros escritos; pelas árvores plantadas; pela casa construída. É duro preencher somente dez por cento de uma vida, já que sempre tem algo a se fazer; algo inacabado pedindo para ser obra acabada. Aí que está a beleza da vida, que é poder sentar-se numa bela sombra, sabendo que o caminho não nos é findo. Descascar a fruta com água na boca sabendo que ainda falta muito a viver e aprender, morder a manga com sofreguidão desvairada, naquele momento reservado só para si, sentindo-se cercado de amor, carinho e doces lembranças.
É gratificante saber que, em dez por cento de uma existência, encontramos muito para sorrir antes do término da, também, fruta chamada Vida. Vida que para mim, também, tem cheiro delicioso de manga.