Máquinas que voam
“É o apocalipse! O Dia do Juízo! O Armageddon!”, exclamou um pássaro aos seus colegas, e logo todos eles saíram em revoada, na esperança de escapar daqueles monstros barulhentos que cruzavam o céu outrora tão pacato. Entendo perfeitamente a lógica de tais pássaros, pois eu mesmo estive a ponto de fugir, não digo voando, posto que ainda me faltam as asas, mas correndo pela minha própria vida – não fosse um monstro daqueles cair em cima de mim!
Sete, sete eram as máquinas que sobrevoavam uma multidão embasbacada com o que via. E passavam tão baixo! Um descuido ali e haveria uma tragédia. Mas esse pessoal não costuma se descuidar, ou se descuida e a gente nem percebe que é descuido, porque para nós, os leigos que não tiram os pés da terra firme, tudo o que eles fazem é uma tremenda loucura – bonita, é certo, mas loucura. Entre a acrobacia e o problema mecânico, já não sabemos distinguir.
Há o medo, mas há também o fascínio. O ser humano moderno tem o quê, 300 mil anos? Por aí. E faz apenas pouco mais de 100 que conseguiu sair do chão e fazer algo similar aos pássaros, esses que hoje fogem assustados. A briga entre Santos Dumont e os Irmãos Wright não faz nenhum sentido, pois o que representam a pátria, a nação e mesmo a individualidade, se tudo é uma única e espantosa trajetória do gênero Homo em uma periferia do Cosmos?
Conseguimos construir algumas máquinas que saem do chão com pessoas dentro. De início, houve muitos mártires, mas hoje já estamos tão confiantes no que fazemos que nos damos ao luxo até de brincar – sim, é uma grande brincadeira, assim essas sete máquinas cortam o ar, escrevem palavras feitas de fumaça, rodopiam, viajam de ponta-cabeça, dão voos rasantes, formam um coração, e voam bem pertinho uma da outra, sem, contudo, nunca colidir.
Brincamos com as leis da física, pelo menos com essas, que já conhecemos bem, nós, que somos ainda esse poço de ansiedades, nós que queremos apenas sobreviver o maior tempo possível com o máximo de prazer que conseguirmos – nós, que, mesmo assim, chegamos de vez em quando a resultados verdadeiramente assombrosos. E lá de cima de algum céu, quem sabe uma divindade nos olhe com complacência: “Ah, eles se contentam com tão pouco!”.