Barreira

Ela tinha os olhos faiscando. Como se estivesse pronta pra algum tipo de confrontação. Eeu permanecia calado, rasgando folhas de um caderno cheio de anotações.

- O que você está fazendo agora? – Ela perguntou.

- Me livrando dos meus pensamentos.

- O que tem de mais neles?

- Coisas que não quero compartilhar.

- Por que homens são sempre assim? Se fecham em si mesmos quando se trata de sentimentos.

- Não estou nem aí pra o que os outros homens fazem ou deixam de fazer.

- A tá.

- Todo mundo tem algo que é exclusivamente seu. Me reservo o direito de guardar meus monstros apenas pra mim.

- Da forma que eu vejo, você só não confia em mim o suficiente pra dividir.

- Talvez então o problema seja a forma que você vê as coisas.

Parei de picotar o caderno e joguei tudo dentro de um saco preto.

Ela esticou um braço em minha direção, depois levou ao rosto e cobriu os olhos por alguns instantes. Quando retirou a mão, o incêndio em seu olhar havia sido substituído por uma torrente de lágrimas.

- O que você quer de mim? – Perguntei.

- Eu quero um homem que me ame. Que me compreenda, que pare pra me ouvir. Que queira estar comigo, mesmo nos piores momentos.

- E você está disposta a dar as mesmas coisas que espera de mim?

- Claro.

- Não é o que parece.

Ela parou pra pensar por alguns instantes, como se procurasse uma resposta adequada e tentasse conter a própria língua no meio tempo.

- Sinceramente eu odeio o fato de me sentir atraída por homens e ter que lidar com esse tipo de coisa todas as vezes.

- É muito mais fácil botar a culpa no outro lado do que parar pra olhar pra dentro e ver culpa em si mesmo. Tanto prum lado quanto pro outro. Eu tento não botar sobre você a responsabilidade das mágoas que me restaram de outros relacionamentos. Eu só queria que você parasse de atribuir todos os nossos problemas aos vícios do sexo masculino.

Naquele momento ela me dirigiu um olhar que mais parecia uma facada.

- É sempre assim. A culpa termina sempre sendo minha.

- Enquanto você ficar procurando culpados, acho que você nunca vai sair dessa posição.

- Que posição?

- De correr atrás de algo que nunca chega. Como um cachorro correndo atrás do próprio rabo. Relacionamentos não são um tipo de competição. Não tem um vencedor nem um perdedor. Não tem inocentes nem culpados. Só pessoas. Todo mundo tentando sobreviver. Mas nem sempre conseguindo.

Ela enxugou os olhos com as mãos e me encarou por um tempo que pareceu uma eternidade.

- Eu vou embora. – Ela falou finalmente.

- Não queria que fosse.

- Eu sei.

Ela desapareceu pela porta e fiquei onde estava.

Sentado numa sala vazia.

Encarando os meus pensamentos.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 04/08/2023
Código do texto: T7853441
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