Fulano de tal é viado
Quando criança, eu ouvia sempre o termo pejorativo "viado", usado para classificar um homossexual. "Fulano de tal é viado". Entretanto eu não sabia identificar um "viado". Havia no bairro onde vivi parte da infância, a Penha, um "viado": o João do Bingo. Eu não tinha malícia para perceber essa característica. O que eu via era um homem misterioso, enigmático... Via elegância no seu jeito de andar, de olhar e de vestir. Ele não usava roupas femininas, mas fazia umas combinações diferentes. Mesmo ele tendo um jeito efeminado, eu não sabia distingui-lo de qualquer outro homem. Eu não tinha preconceito, na verdade eu não tinha nem conceito. Lembro que um dia eu estava vendendo picolé e passei gritando "ó o picoleeeeeeeé..." na rua da cadeia, e os presos me chamaram pela grade, o guarda me deixou entrar e enquanto os presos compravam, vi João do Bingo, deitado. Não sei por que ele estava preso. Mas por que estou falando sobre isso? Não sei. Apenas me dei conta de que ninguém nasce homofóbico ou racista, por exemplo. Isso é ensinado. Eu ouvia dizer: "o João do Bingo é viado", e ficava pensando o que é ser viado... Tudo bem, depois entendi. Mas o que eu via não era um "viado", mas um homem diferente, delicado e ao mesmo tempo forte. Ele era sedutor. Digo sedutor não no sentido sexual, mas no que tange ao mistério. Ele se parecia com Ney Matogrosso ou vice-versa, outro ser enigmático. Um dia desses, mandei uma mensagem de texto para um aluno, cobrando as atividades do Pet, e ele respondeu por áudio assim: " ô viado, vô mandá amanhã viado". Os adolecentes do Filtro usam esse pronome de tratamento entre eles e o garoto se sentiu à vontade para me tratar assim. Para concluir, apenas quero dizer: não levemos as coisas tão a sério! Dispamos dos conceitos que introduziram em nós. Não olhemos para cor da pele, a etnia, a classe social, a escolaridade, a sexualidade... Somos todos humanos. Nosso corpo é apenas uma casca. O que importa é a essência.