Pegadinha no Amor

Eu não tinha certeza se era querida entre meus amigos, eles gostavam de coisas tão diferentes das minhas que ficava calada escutando em boa parte do tempo. Porém, quando tinha bagagem para entrar nos diálogos, conseguia perceber o acolhimento e carinho que me eram direcionados. Havia só uma pessoa para quebrar essa lógica.

 

Gabriel só interagia quando estávamos jogando baralho. Em momentos descontraídos de bate-papo, recolhia-se em um canto isolado e ficava no celular fazendo sei lá o que. Antigamente, acreditava ser a única para qual essa frieza era direcionada, porém mais tarde percebi que era um comportamento geral.

 

Ele não parecia importar-se com nada, uma vez ouvi dizer que quase zerara uma prova da escola e sua resposta foi simplesmente um dar de ombros. Seria possível ele se preocupar com alguma coisa? Teria sentimentos? Prazeres e desprazeres? Será que se importava com a própria vida ou estaríamos em uma contagem regressiva para uma tragédia?

 

Em alguns momentos sentia medo ao encará-lo…

 

Mas talvez ele possuísse um coração bom. Percebi isso depois de voltar de uma longa viagem que me fez ficar distante de todos os amigos. No meio da estrada, recebi uma mensagem dele perguntando de qual tipo de chocolate eu gostava mais. Na época, supus que ele provavelmente gostaria de presentear-me e fiquei teorizando a razão daquilo. Porém dois dias depois já tinha esquecido o assunto.

 

No dia seguinte ao meu retorno, fui induzida a lembrar-me das tais indagações, já que fui presenteada com chocolates condizentes com a minha resposta.

 

— Lembra de quando eu perguntei aquilo? — ele disse ao entregar-me as barras. — Então, foi por isso.

 

Eu estava atônita com a surpresa e prestes a abrir a boca para agradecer a gentileza de comprar doces para os amigos, quando ele completou apressado:

 

— Esconde rápido porque eu só comprei para você.

 

Tal afirmação somente serviu para ampliar a confusão em minha mente. Orientada pelos seus braços, guardei os chocolates em minha mochila e fiquei perdida em pensamentos. Por que motivo ele teria comprado os doces para mim? Seria um presente de aniversário? Mas essa data havia sido há um mês! Apesar disso, não houve festa, já que eu viajava… Era uma explicação meio estranha, entretanto era a única que eu possuía.

 

Naturalmente, quando entrei em casa, minha mãe também estranhou esse presente súbito por parte do rapaz. Por um momento, um arrepio percorreu meu corpo. E se ela pensasse que Gabriel gostava de mim? Tentei tratar o evento com descaso, com o objetivo de impedi-la de acreditar nessa teoria maluca.

 

Só que, surpreendentemente, ela ganhou mais força depois. Houve um dia em que fui à rua com esperança de encontrar alguém com quem brincar e apenas ele veio ao meu encontro. Conversamos um pouco e rapidamente sugeri ligarmos para os outros, a fim de juntarem-se a nós e não ficarmos sozinhos. A resposta recebida não poderia surpreender-me mais:

 

— Eu não estou sozinho, estou com você.

 

Aquela sentença adorável provocou-me um misto de emoções. A primeira leva foi de honra e alegria. Considerando a insensibilidade inerente de Gabriel, jamais esperava que ele dissesse algo tão emotivo, muito menos para alguém como eu. A chama da esperança acendeu-se e quis pular de alegria. Era realmente uma honra ele apreciar tanto minha companhia.

 

Já a segunda leva foi de culpa. Fosse quem fosse, independentemente de falar bonito ou não, nada mudaria o fato de que era um único ser. E, infelizmente, não havia nada de divertido que fosse praticável por apenas duas pessoas. Jogar Uno somente com um companheiro foi tão entediante a ponto de eu temer essa situação pelo resto dos meus dias.

 

Não querendo bancar a ingrata, simplesmente contive minha vontade de bater à porta dos outros e segui nossa conversa. Meus pensamentos eram pura reza de que não ficássemos entediados.

 

Por fim, a coisa ficou tão estranha e evidente que extrapolou o limite da minha percepção e vazou para a compreensão alheia.

 

Eu tinha um outro grupo de amigos, que eram mais novos e a galera de mencionada anteriormente não andava com eles. Apenas eu. Todavia, um penetra começou a surgir entre os caçulas. Por algum motivo, a presença de Gabriel tornou-se frequente entre nós e ninguém conseguia compreender aquilo. Ele mal compartilhava gostos conosco!

 

Quando uma menina do grupo perguntou para mim aos sussurros o motivo, fui obrigada a externar meus pensamentos mais obscuros:

 

— Eu acho que ele gosta de mim. — Provavelmente soei de uma maneira que nem mesmo eu parecia acreditar naquilo.

 

A garota olhou para mim tentando não rir desse absurdo e corri para defender-me:

 

— Eu tenho provas, juro.

 

Após dizer em voz alta todos os meus pensamentos bagunçados, eles pareceram mais reais e palpáveis. Finalmente escutando-me, percebi o quanto aquela história não parecia fazer o menor sentido. Por que o Gabriel gostaria de mim?

 

Era necessário amar a nós mesmos caso quiséssemos amar outra pessoa. Ele não parecia cumprir a primeira parte a ponto de ser capaz de passar para a segunda.

 

Por causa desses raciocínios, toda a certeza pareceu transferir-se de mim para minha interlocutora e simplesmente desaparecer do meu corpo. Depois daquele dia, ela sempre vinha insistir nesse assunto, tentando convencer-me de que minha teoria maluca possuía cabimento e saber das novidades.

 

Queria inteirar-se do que eu faria com essa informação. Fui sincera e admiti que não faria nada. Assim, evitaria de passar vergonha caso estivesse errada. Ele que viesse até mim caso realmente houvesse algum interesse da parte dele. Surpreendentemente, esse dia não demorou a chegar:

 

— Alessandra, você gosta de alguém? — Gabriel perguntou como quem não queria nada.

 

Ao ouvir essa indagação, suei frio. Imaginava que ele gostava de mim, mas essa pergunta não permitia a certeza. Podia ser tudo uma pegadinha. Eu diria naquele momento que gostava dele, na esperança de arrumar um namorado, e ele espalharia para todos os outros amigos, que ririam de mim. Assim como riam direto dos outros companheiros que cometeram o erro de explicitar seu estado de apaixonamento.

 

Em pânico, quase respondi em meio a risos nervosos:

 

— Eu não gosto de ninguém não. Seja lá o que escutou sobre isso, é mentira!

 

Felizmente, contive-me e indaguei o porquê daquele questionamento.

 

— É que um suposto menino gosta de você… — respondeu.

 

A situação cada vez mais caminhava para onde eu esperava. Mas ainda assim, poderia ser tudo uma pegadinha. Hesitante, pois minha resposta já entregava que estava interessada em alguém, disse:

 

— Por que você não me diz quem é e eu digo se gosto dele ou não?

 

— Sou eu, eu gosto de você. — disse temeroso.

 

Minha primeira reação foi empolgação, afinal aquilo era a realização de um sonho o qual nunca me permiti sonhar. Um menino gostava de mim! Como sabe-se lá se a oportunidade bateria mais uma vez à minha porta, estava prestes a inventar qualquer coisa e aceitar experimentar pela primeira vez como seria ter envolvimento romântico com alguém. Nunca desejei esse tipo de coisa, mas sendo uma mortal suscetível a filmes de Hollywood, minha muralha possuía fraquezas.

 

Vendo um feixe de alegria em meu rosto, Gabriel supôs ser correspondido e beijou-me. Em um primeiro instante, eu realmente não soube como reagir, a surpresa era o suficiente para bagunçar a lógica de minhas ações.

 

No segundo momento, já comecei a raciocinar. Involuntariamente, lembrei todos os livros românticos que tive a oportunidade de ler e tentei comparar aquelas descrições melosas com meus sentimentos atuais. Não soube dizer os resultados, porque logo depois veio meu terceiro, mais forte e duradouro pensamento: e se alguém nos visse?!

 

Mesmo àquela altura do campeonato, não consegui livrar-me da sensação de que tudo aquilo era uma pegadinha para eu tornar-me a piada da vez entre os vizinhos. Além de apaixonada, iriam chamar-me de tola! De repente, o pavor tomou conta de mim e saí de perto dele em alta velocidade, tropeçando em meus próprios pés. Talvez fosse tarde demais e na próxima vez que me reunisse com aquelas pessoas fosse para virar chacota… Eu só queria minha mãe!