Diário de final de semana
Era um sexta-feira à tarde, estava eu preparando meu caiaque pra navegar no sábado pela manhã. Desde quando comprei, estou assim, navego sempre que possível. É exaustivo, porém estou curtindo muito.
E então meu telefone toca, era um amigo dos tempos de faculdade, me ligando de São Paulo, pediu-me para atender um episódio com uma conhecida dele.
Fui ao presídio na cidade de Serra, um local muito isolado, com um caminho horrível. Geralmente viajo sozinho, eu e minha playlist. Mas nesse dia liguei pro meu pai, perguntei se queria ir comigo, porque ele já morou naquela cidade e poderia me ajudar a achar o local. Ele prontamente aceitou.
Fomos tranquilos, precisei passar em Linhares pra conversar com a família do detento e entender melhor a situação. No meio do atendimento, meu telefone toca, fui obrigado a atender, era outro cliente que acabou se tornando um grande amigo. Ele me disse que era a primeira pessoa para quem estava ligando, fiquei nervoso na hora, pensei em notícias ruins. E , infelizmente, eu estava certo... A mãe dele havia morrido na madrugada. Ela já tinha sido minha cliente também, e ficamos amigos. Era uma senhora idosa, muito gentil e feliz. Uma grande perda.
O sepultamento seria a tarde do mesmo dia. Fiquei sem chão, saí na rua pra respirar, para poder retomar o atendimento.
Partimos para o presídio, e ao chegar esperei por duas horas, o almoço dos guardas e dos detentos, para ser atendido. Tinha um outro advogado lá, que chegou calado. Mas logo iniciamos uma longa conversa, descobri que tínhamos muitos conhecidos em comum.
O guarda me chamou e pediu pra entrar pra conversar com o detento. Eu não o conhecia, me apresentei, indaguei ele sobre as acusações, expliquei bastante a situação dele.
E muitas lágrimas rolaram de seus olhos, era um senhor de mais de sessenta anos. Tentei acalmá-lo, sem sucesso. Ele chegava a soluçar. Entendendo a história e diante de todos os fatos, preso injustamente.
A família pediu pra dizer pra ele que todos estão do lado dele e em breve iam visitá-lo. Falei o nome das filhas, da esposa e da netinha e ele se acalmou.
Fui embora calado, abalado psicologicamente com a situação. Mesmo sabendo que não podemos levar para o lado pessoal, eu me senti desconfortável por , a pedido da família, não poder falar que a filha dele estava internada por causa de um tratamento de câncer já em metástase.
Na volta, paramos pra almoçar em um restaurante de beira de estrada e seguimos viagem.
No pedágio de Serra, uma pessoa me chama ao lado. Logo abri o vidro do carro pra escutar, uma senhora de outro carro, me disse que estava vazando alguma coisa embaixo do meu carro. Pensei que fosse água do ar condicionado, mas quando abri a porta. Vi uma poça de óleo enorme embaixo do carro. Senti um leve desespero, mas mantive o controle. Pedi meu pai pra chamar o reboque da própria concessionária da rodovia a Eco 101.
Paramos no posto de gasolina mais próximo pra tentar pensar numa solução.
Foi então que meu pai entrou embaixo do carro e viu que apenas uma mangueira tinha se soltado e encaixou novamente no lugar. E com isso parou o vazamento instantaneamente.
Ele se sujou todo de óleo diesel, e teve que ir embora desse jeito, isso nos permitiu ir pra casa sem precisar de reboque.
Se ele não tivesse ido, eu nunca ia entrar embaixo do carro, e esperaria o reboque por muito tempo.
Não consegui ir ao velório da minha cliente amiga.
Cheguei em casa tarde da noite e exausto.
Mas agadeci a Deus, porque poderia ter sido muito pior.
As situações da vida são imprevisíveis, nunca entendemos o porque antes. Mas acredito que Deus coloca as pessoas certas em nosso caminho, quando mais iremos precisar. E naquele dia ele colocou o meu pai, que apesar de termos uma relação difícil, foi um anjo naquele dia.
Por incrível que pareça, não discutimos durante toda a viagem. Algo muito fora do comum.
Hoje eu não posso navegar porque está chovendo e muito frio...
Mas isso é história pra outro dia...