Blá-blá-blá, mi-mi-mi e ti-ti-ti

 

Antes do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, a grafia de algumas palavras era bem diferente. É o caso, por exemplo, de blablablá, mimimi e tititi, hoje escritas blá-blá-blá, mi-mi-mi e ti-ti-ti. O significado e a pronúncia continuaram inalterados, mas a grafia foi alterada sobremaneira. Mimimi e tititi até que não mudaram tanto, mas blablablá, sim. A alteração foi grande, com o acréscimo de hifens e acentos gráficos. De lambuja, dois hifens e dois acentos numa só palavra, considerado que um dos três acentos já existia. Que arranjo, hein! Há, por certo, razões científicas para a mudança, mas era bem mais fácil escrever blablablá, mimimi, tititi, e assim por diante. Sem contar que graficamente tais palavras ficaram muito feias. Disso, creio, ninguém discorda.

 

Trata-se de substantivo masculino e brasileirismo nos três casos. São, mais do que isso, gírias de sentido pejorativo. São empregadas para depreciar, mas não há mal nem erro no seu uso por si só. Tudo, evidentemente, depende do contexto. Gíria, despiciendo dizer, também é cultura. Vamos em frente. “Conversa oca, sem conteúdo; conversa fiada”, diz o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa ao dar a definição de blá-blá-blá. Ti-ti-ti, por sua vez, segundo o mesmo dicionário, tem quatro acepções ligeiramente semelhantes, que aqui faço separar por ponto e vírgula, quais sejam: confusão, tumulto, rolo; vozearia, vozerio; discussão, altercação; falatório, murmuração. Mi-mi-mi, na definição mais simples, é queixa ou reclamação infundada, coisa de criança mimada.

 

Mi-mi-mi não é dicionarizada nem consta no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras. Tem, entretanto, largo emprego no dia a dia (que antes da reforma era dia-a-dia) dos brasileiros. Verifica-se, contudo, a confusão de muitos, notadamente da imprensa, em relação à grafia da palavra, o que em parte se explica pelo fato de ainda não ser dicionarizada. O único dicionário consultado que a registra é o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, de Portugal, mas a escreve sem o hífen, mimimi. Discordo. O correto é com hífen, mi-mi-mi.  O leitor sabe que gosto do Priberam. Não posso, todavia, acompanhá-lo neste caso.

 

Pois bem, por que, então, a grafia correta é mi-mi-mi, com hífen? Por ser uma palavra onomatopaica formada por elementos repetidos, o que a sujeita à regra do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa que diz: “Emprega-se o hífen nos vocábulos onomatopaicos formados por elementos repetidos, com ou sem alternância vocálica ou consonântica, como blá-blá-blá, lenga-lenga, tique-taque, trouxe-mouxe, etc.” Com efeito, mandou bem Paulo Markun, no artigo “Gerontóloga acha que Brasil precisa encarar a morte de frente”, publicado na Folha de S. Paulo, edição de 21 de agosto de 2019, quando escreveu: “Temos que mostrar ao que viemos, sem mi-mi-mi.”

 

Aí, pois, Paulo Markun escreveu, acertadamente, pelos cânones do nosso sempre lembrado e prestigiado Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Também o fez, bela e descontraidamente, o Jornal de Brasília, no texto “Em favor do mi-mi-mi”, da edição de 31 de maio de 2017. Blá-blá-blá, mi-mi-mi, nhem-nhem-nhem, ti-ti-ti e quejandos são exemplos de tautossilabismo. Bum-bum, som do tambor, também; mas bumbum, nádega, não. Por quê? Boa pergunta, mas fica para outro dia.