Envolvimento ou comprometimento?
Envolvimento ou comprometimento?
Certa vez, li em um livro, cujo título não me recordo, que há uma diferença muito relevante quanto à diferença entre estar comprometido e envolvido. Quando se faz ovos com bacon a galinha está envolvida; e o porco, comprometido. Podemos trazer isso para os relacionamentos afetivos, uma vez que muitas pessoas têm medo de se envolverem, porque facilmente esbarram no compromisso a ponto de se anularem, colocarem-se no abatedouro da subjetividade.
Não raro, nos deparamos com casais enamorados a ponto de alegarmos que estes estão em um estágio temporário de embriaguez – visto que o eros os invade, os hormônios pulsam, e a vontade de estar sempre juntos os impulsiona a esquecer os amigos e familiares. Essa cena se repete com frequência e é natural, haja vista que toda conquista requer (ou deveria requerer) tempo, e que prova maior de amor há senão a de doar tempo a quem nós amamos ou queremos amar? No entanto, esquecem-se de que é necessário certo distanciamento para que os afetos não nos retirem a lucidez. E, se lucidez demais é loucura, igualmente a excessiva chama pode nos queimar.
É insuportável estar com alguém que não consegue ter a si como companhia. Esse tipo é o mais comum no momento de instaurar seu universo pessoal sob o outro a ponto de querer ser o centro da vida alheia. Note: a vida é do outro. E a outra parte é apenas uma parcela diante da imensidão de fatores que o tornam uma pessoa, um indivíduo. A palavra “Indivíduo” vem do latim individuus e significa indivisível, uno, referindo-se a um ser cuja existência depende de sua integridade. Ou seja, ao querer fragmentá-lo, está-se indo contra a sua natureza. É esse o tal “abatedouro da subjetividade” já mencionado. Não é porque é o “amor da sua vida” que deve ser a razão do seu viver.
Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, diz em sua obra “Amor líquido” que os relacionamentos são “bênçãos ambíguas”, por isso estão na pauta da nossa crise existencial cotidianamente. A antítese alto investimento (de tempo, energia e dinheiro) versus o retorno negativo amedronta-nos a ponto de toda sorte de relação social resultar em uma iminente misantropia, na aversão ao humano, na extrema falta de sociabilidade. Quando foi que desaprendemos a ser gente? Quando foi que aprendemos? Soará clichê afirmar que essa dificuldade de conviver com o outro é um sintoma da nossa inabilidade de lidar consigo mesmo?
E quando nós levamos o que era de um outro relacionamento para o atual? Aquele lixo emocional que deveria ter sido descartado, mas jogamos no inocente recém-chegado. Dramas, tramas de quem ama. O amor se conjuga numa precariedade forjada por uma força, e esse ilusório pulsar é o desejo de ser amado, de ter suas carências supridas, de voltar a ter colo, de dar trégua nessa vida guerrilha na qual só desarmado é que se permite o amor atravessar e ficar, percorrer livremente, com e sem concessões, porque assim se equilibra e se faz legítimo.
Diante de tudo isso, é preciso e possível ainda insistir no amor, tal qual um livro. Não é porque a leitura de uma obra foi desagradável que todos os livros terão a mesma história, o mesmo ritmo, o mesmo enredo. Novas personagens, novos contextos. Um novo tempo. Uma chance de transformar rascunho em publicação ou deixar aquele texto indesejado no cesto mesmo. É necessário (re)ler com calma, estar atento às entrelinhas. Como dizem: falta amor, mas falta interpretação de texto também! Se ao final do romance rolarem aquelas lágrimas não quer dizer que não valeu a pena tê-lo lido, não quer dizer que você perdeu tempo, a vida é um prato cheio...
(Texto publicado no jornal A União em 28/07/2023)
Leo Barbosa é professor, escritor, poeta e revisor de textos.