MINHA AVÓ

Fui nascido e criado dentro de uma tradicional família nordestina, com os pais nascidos e criados no cariri paraibano. Família grande de 5 irmãos. Mas a casa sempre vivia cheia. Quando digo cheia, é cheia mesmo. Para aqueles que convivem conosco, sabe que falo a verdade. Só para se ter uma ideia, quando morávamos em Camboinha, no município de Cabedelo/PB, entre 1980 e 1988, em um domingo (sem ser dia comemorativo), minha mãe contou 36 pessoas que almoçaram na nossa residência. Entre familiares e amigos. Nesta época, todos nós éramos adolescentes. Então seria normal para cinco filhos adolescentes. Porque além das minhas irmãs e dos meus pais, havia sempre pessoas do interior para estudar, se tratar, ou até mesmo de passagem pela nossa pequenina casa, na capital do Estado da Paraíba (quando morávamos na rua Otacílio de Albuquerque, alguns diziam que a rua pertencia ao bairro da Torre, e outros diziam que pertenciam ao bairro Expedicionários), pois como todo bom nordestino, meus pais sempre tiveram o coração enorme, acolhedor.

Mas quero falar de uma pessoa específica da minha família. Quero falar da minha avó materna, pois foi a única avó que eu conheci. Os outros avós os quais amo de coração, por ser parte da minha ancestralidade, não comi os quilos de sais que a convivência impunha nesta vida para se conhecer melhor, pois já haviam falecidos quando eu nasci nos idos de 1970.

Minha avó materna era de estatura mediana, alta para os padrões nordestinos. Cútis branca. Usava óculos, com uma lente mais forte do que outra, devido a uma cirurgia de catarata. De corpo reboculoso e de ossos pesados. Voz marcante quando precisava se impor, com timbre contratalto, aveludada e doce quando a sensibilidade feminina se sobrepunha. Mulher forte, destemida, e ao mesmo tempo frágil, devido as patologias psiquiátricas adquiridas, diante dos traumas que sofrera após a perda repentina do amor de sua vida, meu avô José Alcântara Cavalcante, em um trágico acidente automobilístico na entrada da cidade de São João do Cariri/PB.

A minha avó sempre ajudou minha mãe a cuidar dos seus rebentos. Por sinal, as duas se parecem muito, não só fisicamente, mas, sobretudo nas ações. Embora morasse em São João do Cariri, minha avó passava pelo menos dois terços do ano em nossa casa, principalmente quando minha mãe estava sem secretária doméstica.

Minha mãe tivera cinco filhos em quatro partos normais. Isso porque teve um parto gemelar univitelinos. Dádiva que poucos recebem durante sua existência, mas nem tudo são flores. Embora seja uma benção, o trabalho é dobrado igual tapioca, como dizem por aí. E nesse contexto, minha avó sempre deu um suporte que talvez poucos avós podem dar. Primeiro, porque ela abandonava seu lar, no interior, para vir ajudar a filha na capital. Segundo, aceitaria o encargo de forma grata, sem reclamar, sempre pensando em ajudar, que por sinal era a mais marcante característica que a definia. Quantas saudades tenho!

Quantas histórias tenho para contar da minha avó materna, Adaltiva Cavalcante Meira! Para muitos, apenas Tiva. Para outros, Madrinha Tiva. Para mim, vovó. Vou contar apenas uma, mas sempre marcante. Meu pai sempre foi servidor público estadual. Assalariado. Por ser graduado em dois cursos, belíssimos por sinal, Ciências Econômicas e Ciências Contábeis, por algum tempo atuou nas duas profissões. Sendo economista no serviço público e contador no setor privado. Sempre foi um homem que trabalhou muito! Embora ausente fisicamente do lar, nunca abnegou do papel de pai, de modo que quando estava presente com a família, entregava-se de corpo e alma, sempre ofertando qualidade na convivência familiar. Certamente em duas ocasiões por ano, íamos visitar minha avó na sua cidade natal, a qual era também a cidade dos meus pais, São João do Cariri. Em junho, nas festividades juninas, e em setembro, a emocionante festa da padroeira do município, Nossa Senhora dos Milagres.

Meu pai teve alguns veículos durante sua existência terrena, porém, o que ficou mais marcante na minha mente foi uma Brasília de cor bege, da marca Volkswagen, ano de fabricação e modelo 1978, o qual adquirira com sacrifício na extinta concessionária Promac.

Certamente foi o seu primeiro veículo zero quilômetro que possuíra até então. Depois houve outros. Um Escorte e um Corsa. Percebe-se que não se apegava a marcas. No mês de junho, íamos visitar vovó nesta Brasília, com sete pessoas dentro dela. Meu pai, minha mãe, eu e minhas quatro irmãs. Para quem não conhece, este veículo só possui mala na parte dianteira, pois o motor fica na parte traseira, ocupando todo o espaço. Resultado, as malas iam distribuídas sobre o que se imagina como mala, na parte dianteira do veículo, e o resto, ia como podia dentro do próprio veículo, disputando espaço com os passageiros. Ou seja, minha mãe levava três mãos de milho que iam distribuídas nos nossos pés, sem contar com outras encomendas para a minha vó. Meu pai ficava doido, tentando entender como iria caber. Na época, entre os anos 70 e 80, não se tinha a noção de segurança que se tem hoje.

A viagem era longa, em comparação com os dias atuais, pois não existia asfalto de Campina para São João do Cariri. Não existia BR´s duplicadas. Tampouco consciência de segurança nas rodovias. Mas, para nós, crianças, era uma aventura, recompensada pelo ar de felicidade estampada no sorriso da minha saudosa avó. Quando entrávamos na cidade de São João do Cariri, naquela época, entrávamos ao som de buzinadas na Brasília, a pedido das minhas irmãs, ocasião em que se observava a alegria dos transeuntes locais, e a espera ansiosa na frente da casa da minha avó, a qual esperava-a junto com o seu irmão, meu tio-avô, Meirinha, e, também, minha saudosa Dioclécia (tenho uma saudade imensa), uma descendente de escravos, que era amiga da minha avó, morava em Serra Branca/PB, a qual ajudou a me criar.

Parávamos a Brasília bege em frente da casa da minha avó, todos nós engembrados da longa viagem, porém com sorriso no rosto. Cada neto tomava a benção e recebia um cheiro no olho como recompensa. Sua casa ficava ao lado do Conselho Municipal, hoje, Câmara Municipal de São João do Cariri, Casa vereador Joaquim Lucena. Medindo de frente aproximadamente quatro metros, e de fundo uns dez, na frente tinha apenas uma janela com tramela, e uma porta de duas partes, a qual tínhamos a opção de deixar a parte de cima aberta, como se fosse uma espécie de janela, e a de baixo, fechada. Paredes com rebocos irregulares, porém bem caiada. Meias paredes. Sem ser lajeada. Para nós parecia um palácio. Uma sala, dois quartos, uma sala de jantar e uma cozinha. Banheiro? Só no oitão, como chamavam antigamente. No final do quintal acidentado pelas pedras e seixos. À noite, tínhamos que fazer nossas necessidades no penico. Quem era doido de enfrentar o frio e o escuro para ir ao banheiro do oitão? O cheiro da casa da minha avó era cheiro de ternura. Era cheiro de aconchego. Era uma espécie de mistura da lenha queimando, pois o fogão era à lenha, extensão do balcão da pia, com comida boa cozinhando. Ah, quanta saudades eu tenho! Tenho tudo guardado na memória. Só me resta agora a saudade! Te amo, vovó!

Por Vandilo de Farias Brito Sobrinho.

Um neto que sente falta da sua avó Adaltiva.

Em 27/07/2023

Vandilo Brito
Enviado por Vandilo Brito em 27/07/2023
Código do texto: T7847654
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