E o tempo continua comigo

Não faz pouco tempo que o meu pai estava vivo, querendo muito continuar vivendo, acreditando que chegaria aos 90, com fé em deus, que continuaria com os seus pequenos rituais de todo dia compondo sua rotina de existência, que "daria a volta por cima", que nos legaria uma boa herança, sua última missão, ao invés de curtir sua aposentadoria. E nós o deixamos fazendo tudo o que se fixasse em sua mente teimosa, mas também muito bondosa, como ele fez em sua vida toda. Inclusive o vício do cigarro. Tal como um amor tão grande que respeita a liberdade de quem se ama, que tolera até mesmo a própria destruição, além do grande estresse de continuar trabalhando honestamente em um país de corruptos. E a pior fase começou, depois de sua partida, de seu fim, de sentir muita falta de sua presença tranquila, de sua voz forte e serena, mesmo de sua tosse persistente. A fase de achar que não aconteceu, que é um pesadelo e basta abrir os olhos para encontrá-lo de novo, de querer acreditar que não acabou tudo pra ele, que haverá uma recompensa final, que ele olha por nós de uma dimensão proibida aos vivos, assim como o meu amigo Sylvio. A mesma fase de conjecturar sobre as causas de sua morte, de não acreditar na versão oficial que prevaleceu. Que não foi especialmente por causa dos seus pulmões, que o culpado é o hospital público, é o médico, que foi infecção hospitalar ou prescrição excessiva de medicamentos pesados. Mas o tempo continua pra mim e comigo, vivendo igual ele fazia, sistemático amante de rotinas e do existir. Eu imaginava que ele não fosse chegar aos 90, como queria. Mas ele chegou cedo demais naquele precipício, tal como o do filme "A Batalha Final", dos Cavaleiros do Zodíaco, contra Abel. Caiu na escuridão de onde todos nós viemos e para onde todos nós voltaremos. A queda é inevitável. Só queria que não fosse tão cedo, tão trágico. Dizem que não foi tão demorado, ao menos. Pra mim, foram 34 anos da minha vida com ele e isso nunca será suficiente.

O tempo continua comigo e tudo o que vem junto, o que significa: uma pressão extrema e absoluta para quem vive, para quem continua teimando em viver. Eu imagino que está tudo bem com ele, agora. A falta de ar e as dores insuportáveis passaram. Que ele continua respirando com os meus pulmões e pulsando com o meu coração, porque se eles morrem, nós continuamos. E eu continuo amando o meu pai, até mais do que antes, sem mais críticas ou brigas, e jurando para mim que ele nunca será esquecido, jamais enquanto eu existir...