VOOS SIDERAIS

VOOS SIDERAIS

"Clarissa toma conta das páginas do

livro (...) É pura matéria etérea. Via

láctea. Ímpar. Sem prazo de validade."

LUZIA ALMEIDA, in "Opinião", O LIBERAL,

Pará, 21/07/2023, pag. 8

"Há pessoas que, de todas as maneiras, correm atrás da felicidade e, (...) a título de orientação: ela pode estar bem atrás da capa de um livro"..., continua a professora e escritor (não seria o inverso ?) MESTRA em comunicação, título com o qual concordo. Aliás, minha felicidade está em ESCREVER... que só se completa se eu tiver leitores ! Mesmo sem eles, anoto diariamente SONHOS e idéias, por vezes ideais e críticas, se forem crônicas. E muita POESIA... na minha visão, nem todos concordariam com tal definição. Luiza Almeida consegue ser POET(is)A escrevendo prosa, textos oníricos, DELIRANTES até... no bom sentido ! Haverá mau sentido para tal expressão ?!

Costumo ler o DIÁRIO DO PARÁ por afinidade, temos certas "diferenças" com o Jornal "do outro lado da avenida", meu irmão e eu, desde 1987/88, quando fomos jornaleiros... e a Avenida era outra, o "comecinho" da Pres. Vargas, na época. Porém, às sextas-feiras, criaram um "fascículo" dedicado ao nosso municipio e me vi impelido a ler O LIBERAL e, claro -- enquanto escritor mambembe e "amador" -- os cronistas Dênis Cavalcanti e a "aluzinada" Luzia Almeida... e não me arrependi ! A escritora, digo, professora, mestra em COMUNICAR, "viaja por Mundos alucinantes", uma Alice dos dias atuais, "num país de poucas maravilhas". Embora apenas OPINE, nos leva a uma "viagem interior" no conteúdo dos livros que analisa, que certamente surpreenderia até os autores das obras focalizadas, se vivos fossem.

Por outro lado, se tais escritos virassem PREFÁCIOS, raros seriam melhores ! Ao contrário da maioria -- com belas análises técnicas, estruturais -- dona Luzia faz a obra LUZIR, brilhar com estrela do Mundos astrais. Nos mostra novas e surpreendentes facetas de cada livro, visto por ela "com os olhos do coração". Eu que já admirava Mário Quintana pelo bom-humor e "tiradas" geniais, só agora vejo que o escritor gaúcho "passarinhava" também pelos caminhos da escrita eterna, aquela que "assenta" em nossa alma.

Cecília Meireles escrevia "com 1 pé em cada Mundo", mesmo assim ainda tem de Luzia Almeida uma OPINIÃO que só engrandece a ambas e nos faz correr para (re)ler a primeira. Eis que agora Luzia nos apresenta outro gaúcho, um Veríssimo, pai ou avô do bem-humorado cronista que li tantas vezes... e lá vamos nós para uma "viagem sideral" ao som de Beethoven (do qual nem gosto, prefiro Bach), num texto que merece virar QUADRO.

Os ALMEIDA "de Belém" se superam... o "poeta do povo" Juraci Siqueira, mais meu amigo falecido Rufino Almeida, excelente fotógrafo e autor do livreto "Poço d'Alma" -- para o qual ousei rabiscar breve crítica, em 1989 -- e, neste século de trevas, a luz radiante de Luzia Almeida. Ouso lhe fazer um desafio: transformar o insosso e repetitivo "Bruxo do cacete" -- digo, do Catete, ou melhor, do Cosme Velho -- em mais uma estrela brilhante do cenário literário nacional. Exceto por "Helena" e meia dúzia de contos, o famoso Machado de Assis me soa "intragável"... talvez a visão e a "Bic azul" de Luzia Almeida consigam mudar tal panorama. "OPINIÃO não se discute", diz o povão !

"NATO" AZEVEDO (em 22/julho 2023, 6hs)

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OBS: para que o leitor aprecie por completo minhas considerações, é preciso que conheça o TEXTO sobre o qual faço meus comentários acima. Confira a bela crônica de LUZIA ALMEIDA, de Belém do Pará.)

A NOTA DE BEETHOVEN NA MÚSICA DE VERÍSSIMO

Era "Moonlight Sonata" no ar e Clarissa pensava em "Vasco, o Gato do Mato". Seu coração não estava de todo desabrochado... ainda não, mas cada nota de saudade, de inquietação de olhos era sempre anúncio de melodia porque, então, já era moça feita. Ela só precisava esperar o coração amadurecer um pouquinho: a meninice havia passado, mas fazia pouco tempo...

Assim como Beethoven é para os ouvidos, Clarissa é para o coração. Ela é um caminho de lírios, ela é a "lua macia" de Vinícius, a ponta do iceberg de uma pureza infinita que desafia a concepção de humanidade num mundo caótico de preguiça e de vício. Ela caminha entre espinhos deixando seu perfume inconfundível de rosa. As notas de uma música são metáforas de Clarissa e ela mesma é uma conexão de natureza e de cortesia que altera os nossos sentidos a partir do ressignificado de uma delicadeza, não! Não é bem isso! É muito mais que isso, ela é o projeto de uma idealização romântica que amanheceu numa personagem moderna.

Clarissa toma conta das páginas do livro embora haja dor, embora haja enfermidade, embora haja desequilíbrio na família. Ela desbanca o enredo porque é maior que a família, É pura matéria etérea. Via láctea. Ímpar. Sem prazo de validade.

O romance "Música ao Longe", de Érico Veríssimo, publicado em 1935, tem a suavidade do sorriso de menina-moça e a bondade de existir para os nossos olhos. Há pessoas que, de todas as maneiras, correm atrás da felicidade e, por ocasião da procura, a título de orientação: ela pode estar bem atrás da capa de um livro que pinta uma professora tão novinha: "Clarissa risca com giz no quadro-negro a paisagem que os alunos devem copiar. Uma casinha de porta e janela, em cima da coxilha. Um coqueiro do lado (onde nosso amor nasceu - pensa ela no momento mesmo em que risca o tronco longo e fino). Depois, uma estradinha que corre, ondulante como uma cobra, e se perde longe no horizonte". Eis a felicidade, amigo leitor, e para continuar esse deleite é só continuar a leitura. Deleite sim, apesar do romance apresentar a ruína de tradicionais oligarquias com a ditadura Vargas, a beleza da personagem rompe com o quadro de decadência de sua família e, é muito interessante perceber que ela permanece blindada como se não fizesse parte disso. E a sua redoma é, além da descoberta do amor, o seu trabalho. Nesse sentido, há aplicações para entender o cerne do romance: "O amor que ainda não se definiu e como uma melodia de desenho incerto. Deixa o coração a um tempo alegre e perturbado e tem o encanto fugidio e misterioso de uma música ao longe."

Como o susto do primeiro amor: "De repente, Clarissa tem a grande revelação. Encolhe-se transida, contente e ao mesmo (tempo) aflita, vendo pela primeira vez com clareza o que apenas vislumbrava de uma maneira vaga, apagada, tímida".

Momento de grande atenção se anuncia numa véspera de encantamento de sentimentos que se multiplicam e que ela não ousa desconfiar: "Mas, o vulto familiar vai crescendo. Já se ouve o ruído de seus passos. Vasco se aproxima da janela, para, ergue a cabeça:

"-- Alô, Clarissa!

"Ela sorri, baixa os olhos, quer dizer alguma coisa, mas não consegue falar."

Ler "Música ao Longe" ouvindo Beethoven é como achar a "pequena moeda de prata" de Quintana, "perdida para sempre na floresta noturna".

LUZIA ALMEIDA (in O Liberal, Belém, de 21/07/2023, pag. 8)