Show de clarividência

Com a chegada do final do ano surgem as videntes. Elas preparam os cristais para observar o futuro próximo. Maga Amara prognosticava tudo e vivia disso, dependia da clarividência para sobreviver. Acertava as contas com o preço das consultas e comentava o sucesso da dedução sem nenhuma ponta de ceticismo. Por minha vez fui visitá-la para ver se surgia no horizonte algum afeto visível. Nada havia, mas nos tornamos amantes antes que pudesse adivinhar as contas, do contrário teria dado meia volta e partido antes do enlace.

Na verdade não foi bem um enlace. Amizade com a intimidade de um casal de muitos anos em doses semanais. Comentei como conseguia tolerar um amor tão ocasional e desenfreado e ela respondeu que havia sido amante de um imperador em vidas passadas. Sem querer falar muito dela mesma observou novamente a bola de cristal e disse que eu, Pederneiras Vasconcelos, amigo do trabalho e da ordem, havia sido jogador de futebol. Via também no jogador a minha disciplina lamentável. Ressaltou o lado indisciplinado do avatar no cristal e me viu fazendo xixi num vidrinho para exame antidoping. Por isso meu time havia perdido levando um gol espetacular resultando em um a zero na decisão daquele campeonato imaginário. Além do que o banco que investira vinte e cinco milhões nesse elenco milionário, coisa que pouco fazem pela educação, assistira pela televisão o desfecho tráfico da derrota. Alguma coisa estava errada.

Comecei a duvidar do seu dom para profecias olhando para o corpo bonito no vestido esquisito. Decerto haveria algum esforço para salvação desse passado remoto. Algum reforço. Talvez fosse recomprado por algum time famoso e vitorioso. Ela estranhou meu silêncio e continuou comentando o meu tropeço remetendo a bola em ziguezague para um espetacular gol contra. De psicóloga astral que se concentrava no entrevero dessa existência que nunca tive porque o futebol não é o meu esporte favorito (preferia apenas peteca, xadrez e sexo) nascia o inusitado. Perguntei o que ela estava tramando para me tirar da derrota além dos prosaicos palavrões da torcida, gente com o dedo em riste e cara de poucos amigos. Querendo o futuro via apenas o passado. Havia também o ônibus que suportava apenas trinta e oito jogadores lotado com quarenta e dois para que o destino me oferecesse o caminho a pé e a sós no meio da multidão enfurecida. Subiria num caminhão para chegar até algum lugar aonde ninguém reconhecesse o meu fracasso. Um outro caminhão lotado de torcedores atravessaria a pista. Vândalos armados com e paus e pedras gritavam: abaixa que o bicho vai pegar! Do céu surgia a turma do deixa - disso, porém acabaram entrando na confusão fechando o cerco.

Feliz por não ter levado um soco na cara graças a visão desse passado longínquo e repleto de agressividade abstrata quis compreender o pretérito perfeito. Imediatamente ela corrigiu as aparências lamentando a diferença de classe entre uma amante de imperadora e um jogador frustrado de futebol.

- É o reflexo da sociedade. Sussurrou em tom misterioso voltando a cair em transe sensual.

- O que você está vendo agora? Com o olho na sorte disse:

- Uma pizza.

Não sei se para amenizar o rebaixamento daquele homem sem time e sem técnico. Previ que podíamos sair e comer a tal pizza. A mesma que ela acabara de verificar como futuro promissor.