Carta de Amor

Minha Querida,

Antes de mais nada, gostaria de dizer que te amo. Amo-te muito, mesmo que possa não parecer. Porém, não quero me deter em detalhes sendo que temos muito a comemorar pelos nossos 25 anos de casamento. Ora, não são 25 dias, ou meses, já temos muitos quilômetros rodados, e há essa altura, depois de tantas sacas de sal (como diriam os antigos), não poderia supor que nossa relação estaria tão doce como agora.

Acordei pensando, depois de tantas palavras carinhosas que me disse ontem à noite, que não poderia deixar esta data passar sem que ficasse marcada de maneira inesquecível. Afinal, adjetivos como idiota, burro, chifrudo e fracassado não poderiam ser deixados para trás. Mas, apesar de não ter sido dito, também sou generoso, humilde e não guardo rancor. O que são palavras ditas no calor da discussão? Mesmo que essas tenham sido repetidas quase que diariamente nos últimos 25 anos?

Aliás, não posso dizer que foram em todos estes anos, pois tenho que excluir deste período nossa lua de mel, que foi onde te conheci de verdade. Naquela noite, e que noite, você acrescentou “pequenininho” a sua lista. Tudo bem, mas não precisava ter me comparado a seu antigo namorado, o Marcão. Sobre nossas noites de amor, só tenho que te agradecer. Pois nem em toda literatura teria encontrado tamanho repertório de desculpas, digo, de criatividade para remediar seus compromissos conjugais. Achou que não tinha percebido ainda? Como daquela vez que ficou sem fazer sexo pela derrota do Brasil na Copa de 82, por três anos? Mas, não se sinta descoberta fortuitamente, pois isso é passado. O que interessa é que somos um casal em perfeita sintonia e harmonia, do tipo senzala e casa grande.

Mas, sexo não é tudo no casamento não é mesmo? Temos que lembrar também das coisas boas. Como de nossas inesquecíveis viagens, como a de Cabo Frio, em que você insistiu para pararmos o carro no canal e não deixou que pagasse ao flanelinha. No dia seguinte só achamos a manha de óleo do carro. E aquela outra para o nordeste em que você me deixou no aeroporto de Fortaleza para ir ao banheiro e só voltou dois dias depois?

E sobre os filhos? Filhos que nunca os tive, porque você não queria engordar. Como se fosse fazer diferença 15 ou 20 quilos neste corpinho de musa dos balenídeos. Mas, tudo bem, temos sobrinhos não é mesmo? Tem aquele que é filho do meu irmão mais velho, cujo nome não me lembro agora, ou aquela outra, filha de minha irmã gêmea que adorava balé. Talvez pudesse me lembrar melhor dos nomes deles se os vissem com mais freqüência que não de dez em dez anos. Tudo por que você passa mal com a comida de mamãe. Não tem problema, não se importe, sua saúde em primeiro lugar. E quem precisa da própria mãe, quando a sogra mora com ele?

Sem querer me alongar demais, pois receio que você muito provavelmente não chegará até a este ponto da carta (espero que você consiga compreender o conteúdo, e em especial balenídeos), deixo meu voto de carinho, minhas sinceras desculpas por alguma coisa, meu obrigado por me aturar por tanto tempo e, espero que não se importe, estou levando aquela sua mala vermelha, que devolverei tão logo tenha chegado ao meu destino.

Com amor, do seu marido.

P.S. Aproveito para comunicar-lhe que titio morreu. É, aquele dos campos de petróleo que você não gostava, por achar que ele a perseguia.